quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

MEU ANJO



Meu anjo tem o nome que me deu,
E as asas brancas como a neve das montanhas.
Com suas vestes coloridas, segue brilhante pelos céus do meu paraíso,
Com sua espada reluzente, translúcida.
Tem uma altura que não sei mensurar,
Uma beleza que não sei descrever.
Meu anjo desce poderoso, e sinto-o poderoso.
Seu grande amor me fascina,
E me faz chorar como qualquer criança choraria de emoção.

Celso Orsini

                                                   
                                                      Parte I

Inverno de 2013

Quando perguntei a Peter sua opinião sobre os nossos anjos da guarda, ele me posicionou com várias teorias, mas não soube o que me dizer ao final.
Em nossos conhecimentos ocultistas não existiam lugares para eles sobreviverem, a não ser como simples arquétipos, representações simbólicas de forças universais, jamais entidades morfológicas divinas e reais.
Para avançar, teríamos que lidar com a nossa fé, vencermos o ceticismo e discutirmos questões teológicas.
Peter, no momento, dedicando-se a outros cursos profissionalizantes, com o aumento de suas consultas terapêuticas, estava exausto.
E eu, com tantos problemas externos para resolver e a marginalização crescente que desabava em meu ambiente de trabalho, também andava esgotado e irritado.
Depois de alguns dias de sóbrias discussões, paramos por aí.
Nossas mentes já cansadas de divagar, não conseguiam mais racionalizar tais questões.
Perdemos o prazer intrínseco da questão e o foco do debate se perdeu, e Peter se desinteressou.

                                                      Parte II

Certa noite, ao chegar em casa, visivelmente incapacitado para encontrar explicações plausíveis sobre o meu anjo, sem bases teológicas suficientes, desisti de pensar e resolvi perguntar ao universo.
Cada esquizofrênico tem suas manias, e eu tinha as minhas.
De madrugada, na cozinha, bebendo minha caipirinha e preparando o meu jantar, um sentimento aflorou.
Perguntei ao meu anjo:
— Quem é você? Como posso lhe classificar? Qual é a sua função? Qual a diferença entre você e os meus outros guardiões? — e me extasiei.
Mas me extasiar não quer dizer que enlouqueci.
Mas também nunca disse que sou louco.
Sempre afirmei que sou um romântico sonhador, vivendo num mundo maior do que o meu.
Sempre controlei minha criatividade, abafei meu delírios, mas isto estava cada vez mais difícil de se manter.
Sempre tive medo de enfrentar o desconhecido, de errar.
Sempre evitei dizer certas coisas sem nexo que alimentavam meu coração, abrir minha mente, e ousar.
E digo a todos os que têm medo de ousar e expor-se ao ridículo: Ousem, não tenham medo de ser imbecis.
E reenvio esta mensagem para mim mesmo, que não aprendi bem certas lições.
Mas neste dia eu já estava cansado de pensar o era certo, e de usar a razão para me controlar.
E liberei meu mundo para um outro ser de um outro mundo me explicar.
Nesta madrugada eu estava sozinho, sonhando apaixonado.
E o meu espírito aproveitava a oportunidade, e a minha intuição emergia, e eu delirei.
Meu anjo me disse:
— Faça o que você quiser, mas antes te aperfeiçoe e te ilumine que eu te protegerei.
— Mas como você irá me proteger Tzadkiel?
E Seu nome surgiu naturalmente, sem eu o perguntar, como o fiz anteriormente com Uriel.
E Tzadkiel me falou:
— Eu te protegerei com a minha força e o meu poder. Sou um enviado de Deus, e este é o meu dever.
— E o que Ele te ordenou Tzadkiel?
— Ele me ordenou para que te protegesse e cuidasse de ti. Ele me ordenou para que te guardasse por todo uma vida. E se hoje estou aqui na tua presença é porque você me chamou. De agora em diante estaremos mais próximos. Nenhum mal te acontecerá. Não te preocupes, eu te defenderei!
E uma força indescritível desceu sobre mim, a ponto de fazer-me chorar sem parar.
E na solidão de minha cozinha, na sofreguidão, eu me emocionei.
E percebi que este anjo, neste momento, não portava espada em sua mãos.
E sua intensa energia desesperava-me e sua grandeza me diminuía.
Perguntei emocionado:
— Mas como um ser espiritual poderá me proteger?
— Eu sou o seu guardião, o único de seus amigos que tem poder sobre a matéria!
— E quem é Uriel? E quem é Clara, Tzadkiel? Quem são eles afinal? Qual a diferença entre vocês?
— Uriel e Clara são espíritos irmãos que vieram te ajudar, te orientar. Mas eu sou o teu protetor, o único que poderes para te defender nesta Terra.
— Você pode atuar no mundo físico Tzadkiel?
— Posso!
— Pode me desviar de um tiro?
— Posso!
— Pode me livrar das agressões?´
— Posso!
— Mesmo que sejam de muitos?
— Com certeza que sim!
E, num delírio visionário, um exército inimigo caia ante suas mãos.
E as respostas do meu anjo chegaram assim, numa madrugada solitária e silenciosa, sem ao menos eu expectar por sua presença, sem ao menos eu lhe perguntar o seu nome.
E quando eu lhe pedi que se aproximasse mais, ele se negou, dizendo-me que eu não o iria suportar, que eu ainda não estava preparado para o receber e que ainda tinha muito o que aprender.
E uma força indescritível desceu sobre meus ombros.
E, aos prantos, emocionado e descontrolado, ouvi Tzadkiel me orientar:
— Prepare-se meu filho! Prepare-se para me receber! Quando chegar a hora eu me aproximarei e te mostrarei minha força e o meu poder.
E Uriel, meu amiguinho espiritual, que antes falava-me sem cessar, calou-se ante ao poder e o amor deste anjo, e não soube o que me dizer.
Percebi que Uriel que felicitava-se por mim.
E que ele e Clara sorriam tão comovidos quanto eu, mas que Tzadkiel estava sério.
E defronte o poder deste enviado Amado, todas as vozes se calaram, todos os medos se perderam, porque nós sabíamos que este anjo vinha de Deus, que era um dádiva de Deus.


SENTIMENTOS


"Se estou apaixonado, tenho medo de amar.
Minha mente inquieta-se, não me deixa sentir.
Com medo, adio o momento e recuso-me um prazer.
Não aprendi a amar, apenas conheci o prazer e a paixão do sofrer.
Não confio em ti minha amada e afasto-me de teus defeitos com minha razão.
Sem entregar-me, desespero na dor e deixo o tempo passar.
Não te quero com posse, mas meus instintos irão te cobrar, minha amiga.
Se não vim para ficar, porque pareço que sou imortal e recuso-me a amar?
Não aprendi a aceitar, aprendi a sonhar.
Inseguro pra dizer-te, para não me exigires também e para não te perder, que amo você."


O AMOR

"O amor verdadeiro não grita nem se desespera,
é silencioso e forte como um rio
que segue em frente.
E só consegui ouvir seus murmúrios quando silenciei o meu coração."


"O amor que está em mim, adormece dentro de mim.
Quando penso que é desvario, ele acha que tem suas razões para ser inconstante.
Quando sinto-me amando, ele me enlouquece, amando apaixonadamente.
Quando sinto-me inseguro, ele me dá sua segurança.
E quando sinto-me seguro, ele se torna inseguro outra vez."


"Se o passado virou presente e se vivi alguns momentos no céu, desvio-me do inferno que passei, pois Deus nunca esteve ali.
Ele sempre esteve no seu sorriso, nos momentos que te amei e fui feliz
E estas são as recordações que quero levar de uma época que passou."



"Hoje estou tão triste.
Tudo em que eu acreditava se perdeu.
Todas as minhas verdades você negou.
Todos os meus sentimentos você recusou
Não tenho mais nada para te dizer.
Não tenho mais nem esperanças para acreditar.
Faço minhas as tuas palavras.
Somos amigos e faço forças para acreditar nisto.
Mas até hoje não sei em que tempo isto aconteceu e nem sei como isto você foi entender.
Jamais vou conseguir trocar os meus desejos por uma amizade, tenho que aceitar.
Como posso te estender a mão, sem dizer que te amo.
Você nunca irá me entender?
Você sempre tentará forçar o que não existe?
Se tornou impossível para mim continuar, sem dizer que amo você."

Hoje tive a certeza.
Quero você para mim, nem que tenha que enfrentar todas as tormentas do meu coração.
Quero você apesar de tudo.
Apesar de suas inconstâncias, apesar de seus amores e de sua entrega.
Quero você como jamais quis alguém.
Tenho ciúmes, mas suporto.
Tenho medo, mas enfrento.
Hoje uma anjo me soprou, que você é a mulher que venho para me fazer feliz.
Todos os enganos e desencantos vieram das inexperiências do passado, para eu  ver.
Vieram para me dar a sabedoria de não te perder.
Vieram para eu entender, que quando chegasse o tempo, eu olhasse para você com outros olhos.
Com os olhos da eternidade, e visse em você uma parte de mim que se tornou imortal.

Celso Orsini

PENSAMENTOS

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Hoje, tive a grata surpresa de te reencontrar.
Mas venha com cuidado, pois não somos mais os mesmos.
Os sentimentos ficaram no passado, mas mesmo assim, sinto-me feliz em saber que estás feliz.

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O amor que sentimos por nossos filhos não se comparam a nada, não se comparam a ninguém.

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Quem sabe a mentira tornou-se a virtude dos fortes? Quem sabe a verdade tornou-se a loucura dos fracos?

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Uriel me aconselhou:
"Diga a todos que você está feliz.
Diga a eles que você não vai mais participar de suas histórias, que o papel de coadjuvante não te serve mais. Diga a eles para entenderem, berre se quiser, que as histórias deles não são as tuas histórias, e que o enredo em que te incluíram não foi escrito por você.
Diga a eles que sua história acontece.
Certo ou errado elas acontecem para o teu sabor.
E que o certo e errado viajam velozmente, paralelos, até encontrarem-se na felicidade do teu querer, no infinito do teu ser."

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Hoje é um novo dia.
Expectativas novas, outros pensamentos.
Um novo amanhecer, com um outro sol para nascer.
Um novo frescor primaveril.
Hoje abri a prisão dos desejos,
E posso sentir meu querer.
Libertado dos grilhões da paixão, meu coração se engrandece,
Para dizer sem lamentar,
Não te amo mais.

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Escreva um livro e espere o que vai acontecer.
Ouça a voz de seu anjo e espere acontecer.
Escute o grito lancinante de seu anjo clamando dos céus e espere acontecer.
Escute os gemidos e os anseios de seu coração e deixe acontecer.
Abandone o medo, solte as amarras e se entregue ao destino.
Deixe a vida viver e espere o que vai acontecer.
Espere sem ansiedades o que vai acontecer.

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Tenho um coração partido.
Acredito num mundo que não existe.
Encanto-me com seu lindo sorriso, com seu jeito pueril.
Vou descobrindo o céu enquanto me mostra sua língua e sorri.
Vou enlouquecendo, transcendendo a realidade.
Neste encontro, nossos olhos se encontram.
Nesta sua louca sedução você me seduz.
Nesta minha insana atração por seu corpo, me falta a coragem de seguir...
E...vou desistindo, desacreditando... me arrependendo...

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Eu vim buscar o meu brinquedo.
Eu vim brincar.
E neste mundo todos os brinquedos são meus.
Todos os presentes são meus.
Não preciso de religiões.
Não preciso que me ensinem a brincar.
Não preciso que me digam quem amar.
Não preciso que digam quem eu sou.
Eu preciso aprender a brincar ao meu modo.
Eu preciso me divertir, me alucinar, me extasiar do modo que Deus me fez.
Querem me roubar meu brinquedo.
Querem que eu me sinta infeliz.
E eu jamais serei infeliz.

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Quem diria, te encontrar assim novamente.
Como é possível teus olhos castanhos continuarem com o mesmo brilho.
Ver esta pele macia e morena, como sempre o foi.
Como pude te deixar assim minha amada, inteira em tua essência,
Pura e inocente como a conheci.
Estou feliz por sentir os abraços que nunca esqueci,
Os beijos que me faziam sonhar,
Tão inconsequentes ao amanhecer.
Algum dia um clarão infantil incendiou as florestas.
E elas queimaram e queimaram até destruir todos os detalhes de nossa vida.
Ficamos sem respirar.
Agora as águas estão descendo novamente as montanhas, para formarem novos rios... os mesmos rios de então.

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Frêmitos, desejos.
No silêncio da noite nada pode me alertar.
No silêncio, só meus sentimentos, nenhuma dor explosiva, somente alguns obstáculos aparentes.
No ambiente vazio o espaço se alarga e compreendo melhor a tua ausência.
Nos meus pensamentos impotentes, se talvez não houvesse o receio da escolha que nos faz recuar, quantos coisas poderíamos fazer.
E talvez nem precisássemos escolher.
Mas pensamentos significam o inferno, nosso inferno racional.
Na comodidade da vida esquecemos de lutar.
Na comodidade da vida esquecemos de continuar... de esperar... de tentar.

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No silêncio interior, as vozes me gritam.
"Celso!" Está na hora de partir.
E partir não significa morrer,
Significa apenas não me tornar tão disponível a quem queira me usar.
Me fastar do que não é meu, tentar uma nova chance de felicidade.
Têm pessoas que me procuram vorazes e pegam-me indefeso no mesmo lugar.
Mas elas não vieram me visitar, nem trocar, são interesseiras, querem só receber.
Outras acham que podem voltar depois de anos, como se nada tivesse acontecido.
Têm outras que me procuram só para beber.
E algumas se valorizam tanto, que não cedem em nada.
Tudo o que pertence a elas é valiosíssimo, se impõem descaradamente,
Não querem trocar nada, querem apenas receber.
E têm aqueles que querem ser meus amigos do face apenas para xeretear seus interesses pessoais.
Que cada um assuma os seus erros e que cuide de sua vida, porque ela nunca foi fácil para ninguém.
Já falei em meu blog que, antes de comprar o produto, deveríamos verificar o seu selo de garantia.
E em todas estas compras eu sequer fui notificado e nem sabia que foram feitas.
Ah, estes homens!
Depois não me venham procurar a procedência de suas mercadorias.
O apressado come cru.
Outro velho ditado.

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Enlouquecedoras horas que se passam enlouquecidas.
Ensandecidas paranoias.
As regras se quebram.
Basta misturar algumas cervejas e um pouco de vinho,
Para que todas as racionalidades que nos sustentam se esvaneçam.
E as safadezas surgem como conceitos inovadores, nunca antes experimentados.
Nascem como ousadias pecaminosas, como rebelião.
No quebrar das restrições, tudo posso arriscar.
Seus encantos afloram majestosos, ou estou tonto, tendo visões.
Ah, como é bom fazer isto no silêncio do mundo,
Quebrar as regras que priorizei há tempos, testar suas reações.
Tudo é novo em meu ser.
Deslizando pela ficção, desativo rígidos e inoperantes padrões de comportamento, paredes limítrofes,
E esqueço que descobriram a mente e as explicações.
Jogo tudo isto para o ar, e o que me diz para o lixo.
Vou torná-la minha cobaia, mais do que você me imagina fazer...
Estou bebendo.
Você está bebendo.
Dois bêbados.
Dionísio caminha entre nós e parece estar bêbado também.
Que suspense nossos instintos.
Chegou a hora da idolatria de nossos atos libidinosos,
De aventurar-me por este lado sombra que, acredito, você sequer imaginou.
Os instintos forçam passagem, se engrandecem para assumir o poder.
E a intuição vagueia entre o ser e o não ser,
Entre o arriscar-se com a intensidade e o não ser de minhas aflições.
Arriscarei a nossa insanidade?
Quero viver intensamente estes momentos, liberar meus desejos profundos,
Viver o que realmente preciso viver.

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Algum mundo está cheio de felicidade.
E nele estou feliz com você.
Nele brinco com as palavras, danço, e canto qualquer canção.
Minhas especialidades eu trago no íntimo, quando deixo resplandecer meu coração.
Minhas vias de escape se esquecem neste espaço que é meu.
Nenhuma censura na embriaguez, nenhuma acusação.
Nenhum pecado nos vícios que comungamos, nenhuma vergonha de sermos.
Nenhum pudor em mostrar quem você é, e quem eu sou, e que jamais contarei para alguém.

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Uma das coisas que nunca esqueci foi o seu caderninho de notas.
Lembro-me até hoje daquele entardecer frio de inverno em que você me leu suas poesias juvenis.
Lembro-me que retirou de seu longo casaco cinza claro, um pequeno caderno de anotações.
Queria saber minha opinião.
Não compreendi bem suas poesias juvenis,
Mas, sem dúvida alguma, me estarreci.
Sensibilizei-me com o que escreveu,
Pois jamais me esqueci daquele momento.
Ainda relembro quando você leu, depois de eu tanto insistir, algumas poesias de sua autoria.
Eu, ainda adolescente, me enterneci.
Não relembro mais o que estava escrito em seus poemas juvenis,
Nem o que você eternizava com eles.
Sei que falavam de amor,
De um amor que tanto necessitávamos.
Esvoacei-me com a sensibilidade que você possuía,
Um dom que não me pertencia.
Não cheguei a invejá-lo, mas sim a admirá-lo.
Apreciei seus versos humildades e sublimes. que se encorpavam e se envergonhavam de se me mostrar.
Poemas pessoais, reveladores de sua alma, escondidos naquele pequeno caderninho,
Que iluminavam o seu criador.
Sempre sentirei saudades suas amigo.
Não tivemos muito tempo de vida para nos conhecer.
Mas hoje sei que você foi uma pessoa muito especial para mim,
Caso não fosse, eu não o relembraria mais.
Depois de tanto tempo, não consigo te esquecer naqueles tempos que passaram.
Depois de 44 anos desta cena, ao relembrar, eu só posso dizer:
Naqueles tempos, eu jamais compreenderia o valor daqueles momentos,
De sua importância para mim.
Alguns minutos seriam impossíveis para descrever minha juventude, para compreender que iria relembrá-lo por toda uma eternidade.
Eu jamais te esquecerei meu jovem amigo, tão jovem quanto eu.
Jamais te esquecerei.
Você não viveu sua curta vida em vão.
Saudades de você,
E da angustiante incompreensão desta vida tão passageira.

#

Posso estar cometendo um erro em ouvir você falar.
Você é tão teimoso quanto eu, mas sempre consegue desfazer o meu libre arbítrio.
E vou arriscar os seus conselhos,
Deixar as minhas contas a seu favor.
Posso estar perdendo a noção da realidade por acreditar no que está me dizendo,
Que nada acontece como imaginei acontecer.
Então, acredito, com uma fé duvidosa, que tudo sairá bem.
E me entrego a esta voz divina enlouquecedora, desconhecida de minha mente e tão familiar aos meus pensamentos.
E deixo todos os meus sentimentos e o meu destino em suas mãos.
Sempre estou apostando em você, confiando em você, duvidando de você.
Às vezes sinto-me enganado por seus conselhos otimistas que me levam para o buraco.
Mas depois, quando sinto a beleza resplandecente em minha alma, começo a lhe entender.
Resplandeço melhor.
E vou vivendo melhor, compreendo melhor, um artista melhor.
E vou me aventurando neste trajeto mortal, com uma incoerência que me torna feliz, imortal,
Por não desistir de meus sonhos, por uma euforia contagiante.
Jamais consegui me entregar totalmente aos meus sonhos, ou para alguém.
Você me conhece muito bem,
E ainda quer que eu me realize nestes desencontros que são meus encontros pessoais.
Nestas dívidas pessoais que não devo dispensar.
Quer que eu mude, reencarne, sei lá!
Você deve estar totalmente insano em suas razões, mas eu me sinto mais vivo assim.
Você implora para eu explorar os erros que sempre temi e enfrentar este caos.
E eu estou tentando... tentando... tentando.

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Como é difícil me reencontrar.
Lembrar daqueles dias que me amei sem pensar.
São tantas coisas que fugidias continuam comigo.
São lembranças que preciso lembrar.

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Desculpem-me pelo que sinto.
Para mim vai ser muito muito difícil esquecer você.
Desculpem-me pelos pensamentos que criticam, pelas inferências que fazem.
Para mim vai ser muito difícil ficar longe de você.
Desculpem-me pelas mãos que toco e me sustentam,
Pelo cheiro que necessito viver e lembrar.
Desculpem-me os que acham que estou me perdendo,
Que acham que estou perdendo você, me aproveitando de você.
Estou amando, somente isso.
Estou amando você.

#

Algum tempo atrás eu não sabia bem quem eu era.
Sei apenas que tudo era motivo para me divertir, aproveitar.
Algum tempo atrás eu não sabia bem o que eu queria, nem exatamente quais as cores que se destacavam do arco-íris.
Sei apenas que suas variações coloridas me encantavam e faziam pensar.
Há tempos atrás, uma simples chuva trazia o seu cheiro que eu adorava cheirar.
E uma pequena nuvem esbranquiçada perdida no céu, ou uma cinzenta que o percorria, eletrizavam o ar e gravavam-se em minha memória.
Um simples olhar feminino me seduzia, e esquentava-me a alma sem eu saber o por quê.
Uma pequena rua trazia seus mistérios, alguma aventura.
Uma longa avenida fervilhava de emoções.
Um grande centro da metrópole fazia-me um ídolo, uma pessoa especial.
Cada dia nascia com uma expectativa, uma surpresa.
E deixavam-me numa ânsia escondida, uma novidade por vir.
Muitos deles, ociosos, enganavam-me a alma, traíam-me os sentimentos.
Outros deixavam-me feliz, eufórico por viver.
Mas todos traziam-me a ânsia do futuro, de ser, de reencontrar você.
De reencontrar vocês.
E a verdade surgiu com o tempo, se confirmou.
E fizeram de todos aqueles dias de sonhos esperançosos, reais.

#

Saudade.
Não consigo apagar este sentimento.
A distância e o tempo não impõem limites para relembrar.
Todas às vezes que eu disse que te amava eu estava sendo sincero.
Todas às vezes que eu pensei que a distância e o tempo não fossem nos separar, eu não me enganava.
Quando pensei que jamais perderia a esperança de te ter, eu não me iludia.
Quando falei que sempre te amaria, eu estava confiando em meu coração.
Mas, nesta noite, não te espero mais.
No esquecimento e na amargura, não te espero, nem sei mais se quero te ver.

#

Como pode um simples "oi" me deixar tão feliz.
Como pode o simples fato de saber que você existe, me deixar tão feliz.
Como pode o seu sorriso iluminar o meu dia, a sua tristeza me entristecer, a sua presença me transportar para o céu.
Como pôde eu me entregar assim.
Sinto que meu anjo e protetores também gostam de você.
Percebo que minha criança interior, em sua presença, emudece.
Nestes momentos não a ouço falar.
Parece tão extasiada quanto eu em te olhar, pois nem me convida para brincar.
Nestes momentos, milagrosamente, quando você aparece, o tempo perde o sentido e todas as atenções se voltam para você.

#

Às vezes, imagino que projetei-me, ou que me projetaram de algum lugar.
Como um míssil teleguiado, enviei-me, ou catapultaram-me para este lugar.
Devaneio que, utilizando-me da mira de um laser, calculei em espírito as coordenadas do lugar onde nasci.
O lugar de onde eu venho, com certeza, deve ter alguma relação com as imagens que povoam o meu mundo.
Pois crio monstros, entidades surrealistas.
Invento histórias com alusões doentias.
Histórias que sequer existiram.
Espero com fé minha sorte, e por pessoas que terei que encontrar como se fosse um destino.
Acredito no livre-arbítrio, mas, às vezes, minha alma duvida que a estrada que percorro possua seus atalhos.
Depois que vivi, parece que tinha que viver o que vivi.
Tenho desejos inerentes, vícios que reluto em deixar.
Amo meu Deus com toda a verdade e sinto-o ao meu lado.
Muita verdade deve haver em tudo o que somos e pensamos.

URIEL


                 "Is there anybody there?" said the Traveller
                  Knocking on the the moonlit door;
                  And his horse in the silence champed the grasses
                  Of the forest's ferny floor:
                  And a bird flew up out of the turret,
                  Above the Traveller's head:
                  And the smote upon the door a second time;
                  "Is there anybody there?" he asked. *                
   
                                                Walter de la Mare, "The Listeners".



                                               Parte I

Anos atrás decidi aventurar-me pelo desconhecido de minha mente e fui desbravar meu mundo interior.
Mas, agora, fui com mais consciência e sabedoria, fruto de experiências passadas, e acautelei-me.
Temeroso dos riscos psicológicos que corria, tratei do assunto cuidadosamente, como se fosse apenas um experimento científico, e, na medida do possível, desvinculei-o da realidade.
E numa ação controlada, ultrapassando fronteiras racionais, fui conversar comigo mesmo.
Como defesa, para não perder a razão e dissociar-me novamente, tentei não esquecer daqueles tempos loucos do tarô e da cabala.
Tempos em que eu transitava apaixonado e solitário entre o céu e a terra, caminhando sobre um fio tênue entre duas realidades, delirando enlouquecido entre os sonhos encantados das sephiroth e o da vida real.
Tempos em que alucinado com o poder de minhas descobertas, quase enlouqueci.
Mas, agora, disposto a aceitar novos desafios, disposto a desvendar os mistérios mais profundos de minha psique e de averiguar verdades espirituais que me intrigavam, iniciei a travessia e enfrentei os desafios de meu ser, com as ânsias do meu coração.
Sempre fui um questionador incurável, um vetor explosivo por conhecer.
À princípio, o interesse surgiu por acaso, como uma simples curiosidade, uma mera especulação filosófica.
Nasceu de nossas conversas incansáveis, de uma maneira subjetiva, alimentando-se de uma dúvida muito comum para a humanidade.
Peter e eu conversávamos muito sobre a probabilidade da existência de seres espirituais sobre a Terra.
E, se por acaso, tais seres espirituais existissem realmente, havia uma possibilidade muito grande de estarem nos observando e nos orientando nesta vida.
Se todas os mitos, credos e religiões, apesar de suas grandes diferenças culturais e raciais, possuíam similaridades, então alguma verdade devia existir.
Se havia fumaça, deveria haver fogo.
E se havia fogo, deveria haver centelhas divinas que os acendesse.
Então, quem sabe, não tentássemos contatar alguns deles?
Quem sabe não tentássemos nos deleitar com o sussurrar de nossos guardiões, nos encantar ao ouvir seus conselhos?
Quem sabe não poderíamos falar com o nosso anjo da guarda, nossos guias, ou o nosso eu interior, nesta curta jornada da vida?
Peter e eu não víamos sentido algum em sermos jogados neste mundo sem cuidados e proteção.
E filosofávamos insistentemente, por puro prazer, investigando conceitos religiosos, pessoas mediúnicas que conhecíamos e os escritos deixados por iluminados.
Seguidamente nos reuníamos no "cantinho", ou então ficávamos sentados atrás do balcão da ferragem conversando, exercitando nossas leituras de mente e nossas previsões, com o nosso respondedor interior.
Peter fazia-me as perguntas, e eu lhe respondia o que me viesse a mente e vice-versa.
Praticávamos estes exercícios quase que diariamente e, com o tempo, confrontando nossas adivinhações com os acontecimentos do mundo real, constatamos que nestes processos de liberação da mente, nossos erros surgiam bem menores que nossos acertos.
Questionando-o a respeito de tais esquizofrenias, Peter respondia-me que a psiquiatria era uma das áreas científicas que menos evoluiu nestes últimos tempos.
Dizia-me que os conceitos utilizados pela psicologia para o tratamento de pacientes, ainda baseavam-se em Freud, e que poucos avanços ocorriam desde então.
Remédios eram apenas paliativos para o sofrimento dos doentes e um meio de inseri-los socialmente, e a cura de doenças mentais uma utopia, praticamente não existia.
Segundo ele, o cérebro e nossas idiossincrasias ainda eram assuntos pouco conhecidos da ciência.
Sem vislumbrar risco algum em tais experiências, ele incentivava-me o processo; mas eu, tenso e ressabiado com tantas dissociações passadas, acautelava-me.
Mas o que se há de fazer com um curioso incurável?
O que se há de fazer com um louco intratável que acredita estar são?
Deixá-lo enlouquecer cada vez mais?
Então, com o tempo, corajoso, selecionei uma destas chaves e abri uma destas portas brancas de luz e, ansioso, transpus o portal para este novo mundo, e aventurei-me com amor e entreguei-me a oração.
Mas que interessante, havia um respondedor dentro de mim...
Havia alguém dentro de mim que me ouvia com amor.
E esta voz desconcertante, meiga e gentil, falava-me ao coração.
À princípio, ela dizia que me amava e, depois, que jamais me abandonaria.
Dizia-me que já nos conhecíamos de outras vidas e que estava aqui para me proteger.
E começou a falar-me coisas da vida.
Com o passar dos dias eu insistia...


                                              Parte II

Eu o cumprimentava:
— Oi!
Ele respondia-me:
— Oi!... Como você está?
Eu retornava:
— Eu estou bem, e você?
— Eu estou bem, meu filho!... Eu te amo.
— Você me ama?
— Claro que sim!... Nós te amamos... Estamos aqui para protegê-lo... não deixaremos que nada de mal te aconteça!
— Obrigado!
— Por nada!... Fique com Deus... fique na paz de Deus... nós sempre estaremos com você... Boa noite!
— Boa noite! — respondia eu.
Depois de algumas semanas de rápidas e inconsistentes conversações, eu perguntei o seu nome.
Um silêncio prolongado, e uma resposta:
— O nome que você quiser me dar, meu filho... não importa!
— Mas qual o seu nome?... Eu não sei que nome lhe dar? — insisti.
— Espere mais uns dias e você saberá... fique em paz... Nós amamos você... Durma em paz e fique com Deus...
Passaram-se algumas semanas em que eu, totalmente absorvido por outros afazeres, esqueci-me completamente da voz.
Mas, numa dessas noites solitárias e angustiantes, quando lembrei-me de nós, perguntei:
— Você me abandonou?...
— Não, eu nunca o abandonei!
— Mas por que você parou de me procurar?
Ele respondeu-me carinhosamente:
— Eu nunca parei de te procurar... e nunca vou te abandonar meu filho... eu te amo...mais do que tudo....
— Mas por que você não falou mais comigo...? — insisti.
— Eu não parei de falar com você. Você é que não me ouvia!
— Você está brabo comigo?
— Jamais, meu filho... jamais eu ficaria brabo com você.
— Mas porque você me chama de filho? — perguntei.
— Por que eu gosto... Na realidade, somos todos irmãos!
— Você é meu pai?
— Não, não sou seu pai!
— Mas, então, qual o seu nome? — perguntei ansioso.
Ficamos alguns longos segundos em silêncio, e ele não me respondeu.
— O nome que você queira me dar... não importa... Um dia você vai saber! — repetiu ele.
Mais algumas semanas de conversação e a intuição me indicou:
— Você é Uriel? — arrisquei.
— Pode ser... Se você gostou deste nome, para mim está bem! Pode me chamar de Uriel!
— Mas, não é este o seu nome?
— É claro, meu filho! Este é o meu nome!
— Eu te amo Uriel! — falei confuso, esperando confirmação.
Mas ele simplesmente respondeu:
— Eu também te amo meu filho...te amo mais do que possa imaginar... Fique na paz de Deus!
Mais algumas semanas de treinamento, e Uriel começou a falar-me com extensão.
Depois destes dias, tudo o que eu lhe perguntava ele me respondia com amor e compreensão, e a nossa união se fortalecia.
Mas sempre que o assunto chegava a um ponto crítico, minha mente travava, bloqueava suas palavras e o assunto não fluía, se repetia.
Com medo de ouvir meu destino eu impedia-o de falar.
Eu não queria saber, e não liberava minha mente.
Em meus fortes apegos emocionais, apegavam-se os meus mais frágeis instintos de imortalidade.
— Tem coisas que eu não quero saber Uriel e não quero que você me conte!
— Tudo bem, meu filho, não te preocupes, não vamos te contar... Não precisa ter medo... nada de mal te acontecerá... nem com você, nem com sua família, que é o que você mais teme, não é mesmo? Algumas coisas acontecerão, mas você já tem suas indicações... Siga o seu caminho, liberte-se... Deixe as coisas acontecerem naturalmente... aceite... siga... vá em frente... Não tema os inimigos nem os reveses da vida... Cumpra tua missão e seja feliz... Faça o que Deus te designou... Não tenhas medo de amar e morrer... e ame de todo o seu coração... E não te preocupes, nós cuidaremos de você e iremos te ajudar.
— Por que você fala "nós" Uriel? Tem mais alguém com você?
— Tem meu filho, tem mais!
— Quem está com você, Uriel?
— Com o tempo você saberá. Com o tempo todos eles se apresentaram... tenha paciência...
— Mas por que só agora você apareceu? Por que não me procurou antes? Eu precisei tanto de você. — desconsolei-me emocionado.
— Por que só agora você me chamou... e estou feliz por isso... Nós sempre estivemos com você...e sempre estaremos...  Sempre falamos com você... Sempre estivemos ao teu lado para te orientar e ajudar, mas você não nos ouvia...sequer sabia que existíamos... Nós te amamos muito... e não deixaremos que nada de mal te aconteça!... Te prometo!
— Obrigado Uriel!
— De nada... descanse em paz e reze.
E nos momentos difíceis e solitários, de paz ou de tormentas, quando eu reiniciava minhas conversas com Uriel, ele sempre me reconfortava.
E Uriel ficava se repetindo, dizendo sempre as mesmas coisas, até que um dia....
E destes tempos em diante, ele nunca mais me abandonou.
E quando eu perguntava:
— Oi Uriel! Você está aí?
Ele respondia:
— Sim, meu filho, eu estou aqui.


    * "Há alguém aí?" perguntou o viajante
      Batendo à porta banhada de luar;
      E o seu cavalo no silêncio esmoeu as ervas
      Do chão de samambaias da floresta;
      E um pássaro ergueu-se voando da torre,
      Acima da cabeça do viajante:
      E ele bateu à porta pela segunda vez;
     "Há alguém aí?" perguntou.

UM CASO DE RELIGIÃO


Um desabafo pessoal.
Infelizmente, quando acredito em meus sentimentos, quando acredito que as religiões poderiam se unir numa unidade divina, os cultos religiosos proliferam pelo País.
Pessoas despreparadas leem a Bíblia.
Com poucos conhecimentos de base filosófica e teológica interpretam-na a sua maneira, e tornam-se pregadores de Deus e formam suas Igrejas.
Se Deus pertencesse a todos os cultos, certamente que não pertenceria a nenhum.
Se existe um único Deus, com certeza ele seria a única religião verdadeira.
E só ali ele poderia estar, não noutro lugar.
Ninguém conseguiria deter o monopólio de Deus sem deixar os outros no inferno, seria injusto, inadmissível.
E aí surgem os pregadores.
E a natureza é perfeita, o mundo é perfeito e o universo é perfeito e Deus fez a perfeição.
Entrar numa religião é engajar-se em dogmas e leis estabelecidas.
Deus anda falando muito através de pastores sem idoneidade, acho isto perigoso, uma porta aberta para o fanatismo, e preocupo-me com o destino das gerações futuras.
A misericórdia e o amor ao próximo, forçosamente, esvaem-se nos que seguem  seus credos.
Quando não concordamos com suas doutrinas, perdemos o amor de Deus e perdemos a vida eterna.
Como é fácil ter amigos que se submetem a nossas doutrinas e concordam conosco, mas como é difícil mantermos-nos amigos de uma ovelha desgarrada.
Amamos os que nos seguem, não é mesmo? Mas essa não foi a missão de Jesus!
Aos infiéis, deixamos o desprezo e a ira de Deus.
Temos que salva-los do inferno.
Falo com mágoas, porque sei que existem pessoas de bem, que seguem e pregam os ensinamentos de Jesus com fé e amor.
E diga-se de passagem, alguns, com sua compaixão, fazem milagres.
Quando o princípio está certo, quando o amor é um sentimento puro e verdadeiro, maravilhas acontecem e tudo dá certo.
Mandam-nos pregadores, pessoas que entram em nossas casas e tornam-se amigos de nossa família, e são bem recebidos.
Mas ao primeiro sinal de não conseguirem atingir os seus objetivos de catequese, afastam-se sem remorsos.
Trocam-se os missionários de tempos em tempos, nunca são os mesmos no mesmo lugar.
Evitam-se os elos de amizade e sentimentais.
Deixam-nos, talvez, sem saudades.
São insensíveis de alma e de coração, infelizmente, apenas missionários juvenis encarregados de uma missão.
Olhem em nossos olhos seus pregadores juvenis.
Simplesmente tragam-nos um aperto de mão.
Sintam nossas vidas de verdade e comunguem nossas amizades com o coração.
Bebemos, fumamos, temos nossos vícios, mas não somos só desregrados e desgarrados, somos puros de coração e amamos a Jesus.
Não usem seus jovens mandatários.
Ensinem-os e tragam-os para participar da verdadeira religião.
Da religião divina do amor e da confraternização, que é a única e verdadeira.
Deus está em todos.
Somos responsáveis por quem cativamos, entendam isto seus pregadores, antes de colocarem seus interesses fervorosos em primeiro lugar.
Às vezes, sinto que há mais fiéis sinceros fora da Igreja do que dentro dela.
Não podemos ter apóstolos vivos neste mundo.
Apesar de insinuarem ao contrário, todos os apóstolos escolhidos por Jesus já morreram.
Talvez, apenas um dentre eles possa estar vivo, mas nem isto é uma certeza, é apenas uma questão filosófica, uma divagação mágica para entreter nossas quimeras.
E, apesar de todos os seus defeitos seus pregadores, nós amamos vocês.
E Isaías, venho antes deste desabafo.

LIVRO: O RIO DE MINHA DESESPERANÇA

 
              

O  RIO  DE  MINHA  DESESPERANÇA      

                                           





     DIÁRIO DE UM DESPERTAR

 NA  SOMBRA DOS MESTRES                      


O REENCONTRO







HISTÓRIAS DE UM MUNDO ENCANTADO, CONTADAS EM DEZ ANOS DE ÊXTASE E ILUMINAÇÃO.

EXPERIÊNCIAS QUE SE INICIARAM COM O MEU DESPERTAR NUMA NOITE DE VERÃO.

HISTÓRIAS  EM QUE PROCURO AVALIAR, COERENTE, MEUS SENTIMENTOS.

UMA NOVA VISÃO DA VIDA E MEUS DESATINOS, QUE SE INICIARAM COM UMA LOUCA PAIXÃO, UMA PAIXÃO IMORTAL

FORAM MUNDOS QUE CONHECI SOLITÁRIO E QUE LEVARAM-ME A UMA INTENSA BUSCA ESPIRITUAL.

UMA VIAGEM DE RETORNO AS MINHAS ORIGENS, SAUDOSA E APAIXONANTE COMO O FOI.

UM DESATINO EXPLOSIVO, UMA VISÃO ALUCINANTE, UMA COMPREENSÃO INESPERADA, UMA VIAGEM DE ENCONTRO AO MEU EU.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

NOTAS DO AUTOR



                                                          Parte I

As histórias que publiquei neste livro, com algumas exceções, ocorreram no período de uma década, aproximadamente entre os anos de 2000 e 2010.
Foram histórias extraídas do meu cotidiano e aconteceram exatamente como as contei.
São passagens de momentos únicos e fascinantes, que se iniciaram num marco indelével, numa noite inesquecível de dezembro, quando saí de casa para caminhar.
São relatos de experiências únicas e memoráveis, que vivi ao longo de uma década.
Exponho nelas meus pensamentos e minha sensibilidade, e, em grande parte, minha longa e gratificante convivência com os jovens bruxos e com muitos amigos que surgiriam depois.
Naquela noite encantada tudo começou.
Os acontecimentos sucederam-se rapidamente, e o meu mundo girou.
Se existe alguma predestinação, este foi o meu dia predestinado.
Naquela noite o despertar chegou sem avisar, como uma iluminação, um êxtase divino, uma experiência surrealista, trazendo-me à tona, em minha alucinação, o reencontro de uma paixão imortal.
E, a partir daquele instante, um novo horizonte surgiu e se sobressaiu de minhas angústias passadas.
E, apesar das tristezas de uma vida perdida em incompreensões, a recompensa chegou.
E a alegria foi o meu bem maior, privilégio que surgiu da indescritível felicidade de me conhecer e de ser.
Encantamento que proporcionou-me o fulgor extasiante de amar a vida e as pessoas como elas são, com um outro sentir, um outro querer.
Fascínio que me fez suportar o exílio de um martírio cruel, pelo simples prazer de amar a vida, de viver estes momentos únicos e incríveis que se apresentavam a mim, e de me apaixonar novamente.
De apaixonar-me pela vida, pela simples razão de viver este idílio enebriante que nascia dentro de mim, e que me envolvia e me engrandecia como ser, sem nenhum interesse pessoal ou mesquinhez.
E esta felicidade esfuziante despertou-se com um estalido estranho em meu cérebro, e foi o meu bem maior.
Apenas um som seco e breve, de curta duração, mas que chegou devastador, como uma qualidade celestial, um privilégio, uma exaltação do meu ser, um dom.
Senti-me como um viajante de terras longínquas aportando num paraíso encantado, impressionado com as riquezas que via por aqui.
Admirei-me com a imponência dos seres, com as belezas do mundo, as incógnitas da vida.
E ao girar da roda da fortuna, nesta noite encantada de Dezembro, este foi o meu sentimento puro e forte que aflorou.
De amar a vida e as pessoas como elas são, com uma outra visão, um outro querer, uma outra razão.
E compreendi que este poder vinha de Deus, e que eu era apenas uma onda pequenina neste oceano.
Uma onda que nasceu ínfima num instante para projetar-se para além do seu meio.
Uma onda que aventurou-se por lugares fantásticos e sombrios, para ver o que todos não viam, sentir o que não sentiam e saber o que não sabiam, e me extasiar.
Uma onda pequenina e bravia, que lutou por seus direitos e princípios desde o início.
Lutou por sua liberdade e dignidade, mas que, ao afinal, vencida por críticas assediantes e demônios astrais, esmoreceu.
Acovardou-se para seguir em frente, para libertar-se de velhos hábitos e padrões, para aceitar o que há muito tempo já pressentia.
Mas, hoje entendo que tudo teria que acontecer assim.
Sempre lutei para fugir do lugar onde deveria estar.
É isto o que compreendi.
O ser humano é único e irrepetível em sua essência, uma onda pequenina a enfrentar o oceano da vida.
Um ser que nasce invisível do ventre do mar, que, corajoso, avança para se individualizar e lutar por seus sonhos e ideais.
Muitas vezes queda-se acidental, outras vezes, hostilizado pelo meio, sucumbe, quase sempre subjugado por preconceitos e concorrências, muitas vezes vencido pelo acaso.
Uma onda que desespera-se no ritmo inconstante das marés.
Que ama, sofre, chora e sorri.
Uma alma que num instante envolve-se frágil num corpo, necessitando de cuidados até para sobreviver.
Que luta enfim para vencer os seus obstáculos e superar os seus limites, neste grande enigma que é viver.
Uma empuxo que destinou-se a brilhar e a alçar os voos mais altos que possamos imaginar.
Uma onda que nasce ínfima num instante, avoluma-se na trajetória para erguer-se majestosa noutro instante.
Que projeta-se para além de seu mundo para compartilhar, para deixar sua herança.
Uma onda que alarga-se para brilhar, neste mar agitado de sentimentos e desejos em ebulição, neste mar de perigos e incertezas.
Uma onda corajosa e passageira.
Um destino que se esvai e se repete pela eternidade, uma onda pequenina nesta imensidão.
E neste tempo que destaquei e confinei numa década, um livro encantado de arquétipos descortinava-se para mim.



                                                           Parte II

Exceto pela citação de meus dois filhos, minha sobrinha e meu sobrinho, alterei o nome de todos os outros personagens, no intuito de salvaguardar suas privacidades.
Por serem histórias que guardei de memória, procurei na introspeção e na ajuda de alguns amigos protagonistas, resgatar suas autenticidades.
Em minhas exposições, reportei-me exclusivamente aos fatos condizentes e convenientes com as citações.
No resto, na medida do possível, calei-me, tentando evitar que invadissem, por inferências, a vida pessoal de seus integrantes, que não nos interessam e que não cabem a mim divulgar.
Algumas descrições, que por fidelidade ao texto, ou que inadvertidamente ousei publicar, pudessem revelar a identidade de alguns de meus personagens, afianço que, com o tempo, cairão no esquecimento e só os mais próximos saberão.
Todas os comentários e opiniões abordados neste livro, partiram quase que exclusivamente de minha visão e compreensão dos fatos que presenciei.
Algumas versões e opiniões citadas por alguns de meus personagens, deixei-as destacadas em minhas histórias.
Peço desculpas a todos os que, de uma forma ou outra, magoados, sentiram-se injustiçados em algumas de minhas histórias e discordaram de minhas opiniões, credito a mea culpa.
Sou inteiramente responsável pelo que escrevi.
E se alguns de vocês se decepcionaram com o meu enfoque crítico, insinuando que errei em minhas avaliações, com certeza têm razão, pois sempre soube que são maiores e mais complexos como seres humanos, do que os das breves histórias que contei.
E se divaguei incoerente e fantasioso em algumas delas, com certeza se deveu à minha ineficiência de julgar e de compreender as minhas ações, aceleradas pelas minhas loucuras e pelos êxtases do momento.
Mas, se quero ser honesto para comigo, tenho que deixar minhas verdades.
Tenho que dizer o que pensei e senti nesta época turbulenta de grandes mudanças pessoais.
Atualmente, com certeza eu não agiria da mesma forma, e minhas ações e opiniões seriam diferentes.
Hoje, mais amadurecido, talvez eu recuasse e recusasse o viver.
Talvez voltasse a encarcerar aquela criança bendita que pedia-me para brincar, e desistido de viver.
E muitas coisas que conto aqui não teriam acontecido.
Mas nada se perde quando não se tem nada a perder.
E nada se justifica quando não viemos para nos justificar.
E tudo é permitido para aquele que nasceu para brincar, se conhecer, para entender.
E quando já não temos mais nada a perder nem o que justificar, quando começamos a olhar para dentro de nós, todos os erros e enganos que vivemos não passaram de sombras, conceitos fugazes, armadilhas da vida que temos que transcender.
Viemos para nos iluminar, sentir o amor.
E no presente imortal, aquela criança amorosa andava cada vez mais irrequieta e ansiosa.
Andava cada vez mais descontente comigo, queria explorar o meu mundo, queria brincar.
E reafirmo que, todos os pontos de vista que expressei foram unilaterais e de minha inteira responsabilidade.
E que de nenhum modo, e por nenhum ação tácita, escrevi minhas histórias num intuito vingativo ou para denegrir a imagem de alguém.
E se ficaram verdades em minhas histórias, não as trouxe aqui para discriminar, nem para me vingar.
Deixo-as somente como um testamento.
Amei a todos sem exceção e tentei protegê-los.
E se fizessem algum mal a vocês, que o fizessem a mim.
E se amei alguém um pouquinho mais ou um pouquinho menos, isto foram lá, coisas do coração.


                                                           Parte III

Com a ajuda de Lucius, explorei minhas experiências e aventuras, em histórias como "Um devaneio com Lourein" e "Evelyn", por exemplo.
Revivendo nossos loucos momentos do passado, acredito que agora mais lúcidos e racionais, concordamos em dois pontos.
Concordamos que nestes contos que o citei,  nossos sentimentos foram iguais, e que os fatos aconteceram a semelhança que os descrevi.
As diferenças que pleiteamos, não passaram de incontestáveis enfoques pessoais.
Logicamente, que não conversei com todos os envolvidos.
Alguns se foram antes de eu iniciar os meus contos.
Hugo, a peça chave no desencadear de todos os acontecimentos, responsável pelas espantosas previsões que mudaram o curso de minha vida, não o conheci pessoalmente.
Nesta época, por mea culpa, não lhe dei a devida importância.
Infelizmente, todos os insights que dele recebi, inclusive a mais impressionante profecia de todas — as jovens bruxas — me vieram por intermédio de Kátia, minha sobrinha.
Kátia, apesar de insistir para eu conhecê-lo pessoalmente, eu, muito reservado, esquivei-me do contato.
Ainda hoje quando nós encontramos conversamos sobre ele.
Lembramo-nos de Hugo como uma pessoa gentil, sensível e iluminada, e sentimos por ele um grande apreço e admiração, apesar de ter desaparecido para sempre da vida de Kátia.
Silvia, Karla, Inocência, a senhora do Reiki, Evelyn... e tantos outros personagens que tive o prazer de conhecer nesta década, não mais os reencontrei.
E à medida em que escrevia minhas histórias, quando as confusões instalavam-se em minhas memórias, meus jovens amiguinhos ajudavam-me a reescrevê-las  com suas recordações.
Assim, obriguei-me a refazer o texto de meus contos várias vezes, a fim de enriquecê-los com os detalhes esquecidos.
Fiz-o, também, quanto a forma, mas nunca quanto ao conteúdo.
Ficaram poucos registros desta época.
Algumas datas esclarecedoras obtive-as pesquisando em antigos papéis, que ainda guardo em minhas pastas de cabala.
Algumas outras, coloquei-as por aproximação.
A diversidade de experiências e a intensidade com que foram vividas nesta década, somadas a minha longa amizade com os jovens bruxos, acarretaram-me uma grande dificuldade para compor os contos em ordem cronológica.
Posso ainda ter errado em alguns pormenores, mas acho que consegui delinear o meu horizonte, se não com sua exatidão, pelo menos em sua compreensão.
Foram anos de entraves mentais, falta de clareza e esquecimentos, com grande dificuldade para alinhar-me com datas inconciliáveis e fugidias.
Mas, agora, acredito que finalmente conseguir iniciar minhas histórias pelo início e terminá-las com um fim.
Peço desculpas a todos os que não inclui em meus contos, ou por esquecimento de momentos vividos que não consegui resgatar, ou talvez por histórias que ainda não decidi contar, porque, afinal de contas também sou um temperamental, um pouco rancoroso.
E se não escrevi sobre vocês, seus relegados, lembro-me de cada um.
Agradeço a todos os que vivenciaram comigo esta jornada de êxtase e iluminação, e que presenciaram os meus dramas e pesadelos, e mesmo assim permaneceram fiéis ao meu lado, nesta louca aventura que é viver.
Agradeço a todos vocês pelo carinho, a amizade, o apoio, o respeito e a compreensão que sempre tiveram por mim.
Aos outros, não tão amiguinhos assim, perdoo-os por suas malvadezas.
E aos demônios, em geral, espero mantê-los afastados, e almejo que se convertam, duas coisas quase que impossíveis de se suceder.
Os jovens, apesar de suas poucas idades, objetivamente, pois de resto não os sei avaliar, sempre me trataram quase que como um igual, e nunca os considerei como filhos, como pensavam e pensam alguns até hoje.
Mas os jovens sabiam disso, e sabiam que eu os respeitava como amigos.
Apesar de estudarem numa época de escuridão no Brasil, nunca me trataram por codinomes infantis: tais como tio, tiozinho, etc, vícios de tratamento tão em voga em nosso País, legado de escolas públicas nacionais, e levados por alguns, absurdamente, até a idade adulta.
E são vícios linguísticos que até hoje abomino e não aceito, me desculpem os egrégios orientadores de nossas escolas.
Nossas crianças merecem o melhor, e não precisam  de subterfúgios para se socializar.
Não as deseduquem, não as desrespeitem, tratem-nas como espíritos de luz.
O amor que sinto por meus filhos faz parte do meu ser e nunca os comparei a ninguém, e o parentesco, como sabemos, tem suas razões genealógicas para existir.
E espero que quando estiver bem velhinho, só os meus netos, se por acaso os tiver, venham me visitar com esta indagação: Oi vovozinho, como você está?


                                                           Parte IV

Peter, certa vez, inseguro em sua carente posição, talvez ciumento, indagou-me sobre uma possibilidade que o incomodava.
— Você sempre preferiu mais as gurias do que a nós, não é mesmo, Celso?
Sua pergunta foi indiscreta, direta e inesperada, pegou-me de surpresa enquanto eu voltava da vídeo locadora pela porta dos fundos.
Confundiu-me, tive que pensar.
— Não sei, Peter!... Talvez você tenha razão... Não sei... Meus sentimentos por elas foi forte, foi diferente. Não sei te explicar, foi especial. No começo, com certeza eu preferia mais a elas do que a vocês, mas agora, vejo que não. Pensei muito sobre isto, e hoje vejo que todos vocês estiveram em meu coração. Eu gostei de todos, sem exceção, senão já teria mandado todo mundo embora daqui, e teria ficado só com elas, não é mesmo? Mas uma preferência sempre existiu Peter, não adianta negar... Elas são mulheres... é diferente...
— Eu te entendo, Celso. — respondeu-me ele.
— E se não fosse pela coragem de Samara — emendei  — acho que nada disso teria acontecido, não é mesmo? Se não fosse pela coragem de uma guriazinha de apenas 14 anos de idade, eu jamais teria conhecido vocês.
— Eu te entendo, Celso.
Ele concordou ele, balançando a cabeça.
E eu me emocionei.
E paramos por aí, porque realmente o afeto que eu sentia por eles era muito grande.
E este afeto sempre foi o motivo principal para tantas incompreensões familiares e difamações que sofri.
Guardei muitas mágoas desta época e grandes foram as decepções.
Mas uma coisa é certa, se as cicatrizes ficaram e se às vezes doem com as mudanças climáticas, eu já nem me importo mais e sigo em frente.
E digo que, com o passar tempo, algumas delas parecem que já nem doem mais.
Mas outras, infelizmente, deixaram marcas indeléveis em minha alma.
Peço desculpas a todos os que, de uma forma ou outra magoaram-se com meus enganos ou com minhas broncas e incompreensões.
Certamente que elas não foram propositais.
Raramente eu descontrolava-me,  mas, às vezes, quando minhas águas invadiam um solo estéril,  minhas barreiras fragilizadas transbordavam e eu tinha lá minhas explosões temperamentais.
Sei que aconteciam pela minha opressão.
Chegara a uma fase da vida em que me decidira a dar um basta nas brigas e me proteger.
Sem defesas, para não me incomodar, no rugir mais alto das feras, adaptei-me a ouvir calado às divergências, e quando pudesse escapar, sumia.
Eu queria ser feliz, ser livre.
Nunca gostei de brigas e muito menos de discussões desarrazoadas, mas estava difícil eliminar estes males de minha vida.
Então, inevitavelmente, quando as represas se abriam com tantas intromissões, falsidades e desamores, vinha o choque da vazão.
Em meu descontrole, meus sentimentos entravam em ebulição, e embutiam-se ferozmente com minhas ânsias infinitas de libertação de rígidos padrões de comportamento e preconceitos sociais, que impediam-me de viver e ser feliz.
Meus amigos até que tentavam minorar a situação e me compreender, e me perdoavam pelas fúrias momentâneas que, afinal de contas, não eram tantas assim.
E agradeço a todos os que estiveram comigo nesta época.
Mas, na verdade, eu precisava reencontrar-me.
Eu precisava libertar aquela criança adormecida que, incontida, procurava novos desafios e que tinha ainda a ânsia e a vontade de viver.
Infelizmente, abandonei-a num passado distante, numa esquina qualquer de uma outra rua, num momento transitório de uma outra idade.
Abandonei-a esquecida pela insuflação de meu ego, no meio de tantas lutas inúteis e ambições desmedidas, esquecida pelas responsabilidades da idade adulta.
E agora raríssimas vezes eu a ouvia suplicar os meus cuidados e a minha proteção, e quando isto acontecia, sentia que olhava-me: Ora triste, ora alegre.
E suplicava-me ansiosa:
— Vamos Celso, vamos brincar!
E ela vinha socorrer-me como a um náufrago, amorosa, desesperadora.
E nestes tempos passageiros e determinantes em que despertei, apesar de tudo e de todos, eu me amei como nunca havia me amado antes.
Amei-me incondicional.
E para os incrédulos e cegos, tenho a dizer:  " Que entre o nascer do sol e o ocaso, por toda uma vida, por todas as simpatias e antipatias que senti, por todas as minhas explosões temperamentais, minhas sinceridades.
As antipatias eram naturais, nasciam da divisão do meu ser, mas nunca foram um ponto final.
Surgiam apenas por uma inadequação as suas vozes, que premiam meu coração e tiravam-me a liberdade de ser quem eu sou, e traziam-me à tona sentimentos de revolta contra as invasões gratuitas e hostis ao meu meio, que atingiam os meus sentimentos, agrediam o meu psicológico e minha integridade.
E eu precisava viver a minha vida, precisava urgentemente viver a minha preciosa vida e arriscar os meus conceitos, se não estaria perdido.
Eles que vivam suas vidas, gritava o meu ser desesperado, ensandecido.
E inerente a mim, no grito mais alto de minha alma, eu sentia que acabaria amargurado, senão revoltado em minha despedida, como tantos outros ficaram antes de mim, se não fizesse o que queria fazer.
E neste tempo que relatei, o amor aflorava em meu coração.
E aflorava com a força de um gigante, despedaçado pela força de anões.
E pelo rumo que as coisas tomavam, no conflito de todos os interesses pessoais e mundanos do meu meio, eu já estava a ponto de desistir de meus sonhos, eu iria perder a batalha.
E diziam-me que sonhar é coisa de loucos, que amar a muitos não fazia sentido, é fugir da realidade, como se nada mais existisse além da matemática lógica e fria que vemos.
E diziam isto logo para mim, que apesar de ser um matemático, sempre fui um sonhador, que sempre persegui o pote de ouro por detrás do arco-íris; e, infelizmente, ainda sou assim.
Podem me dizer, com razão, que ainda não cresci, pois ainda o quero para mim, mas já começo a aceitar que jamais o encontrarei por aqui.
Mas de loucos pragmáticos, e inconformados socializados, que vivem suas realidades e parecem não sonhar, o mundo também está cheio.
Então, se nós, ambos os loucos estamos errados, acho que o caminho não deve ser por aí, temos que transcender de uma outra — hoje, começo a perceber qual seja.
E dentro de nós existe um louco que veio do além nos seguindo.
Um ser maravilhoso, um ser transcendente que veio para este mundo para se deliciar, desbravar e brincar.


                                                            Parte V

Se você aponta um dedo para alguém, por defesa, por antipatia ou por desespero, vários apontarão os seus dedos contra você e o acusarão.
Vivemos em matilhas, mas somos seres individualizados.
Se tentamos nos defender de suas críticas insanas e comportamentais, aí sim, a felicidade virá, pois irão nos apedrejar.
Então o certo a fazer é não acusar ninguém, nem se defender.
O certo a fazer é calar o nosso ego, aceitar, nos respeitar.
Com o tempo eles irão parar e a  paz voltará.
Com a quietude interior a alegria virá.
A agitação mundana deixará de ser a nossa inquietude e não mais nos afetará.
Deixei as portas abertas da loja e do meu coração e me enganei.
Jesus amou a todos, somos incapazes disso, com certeza.
Agora, respeitar a todos, isto sim, podemos fazer.
Ser respeitado é um direito e um exemplo de amor conosco, e nestes tempos eu não estava disposto a aceitar nada mais do que isso para a minha vida.
E neste tempo que passei, para não brandir uma espada, não atingi os meus objetivos e nem a minha felicidade, pois a espécie humana não se adapta muito bem a estes agrados existenciais.
Então, naqueles momentos de tensão, quando os meus sentimentos explodiam ensandecidos com minhas mudanças psíquicas e tantas agressões do meio, com sinceridade, não guardo culpas quanto a isto.
Vim ao mundo para aprender e conhecer.
As pessoas que se magoaram com minhas atitudes, levaram para o pessoal, o que era impessoal.
Julgaram-me por suas soberbas, não me compreenderam, assim como eu, na minha busca ensandecida por outros valores espirituais, não os compreendia também.
E foi uma busca desesperada pelo meu ser, uma ânsia do meu coração.
Devíamos nascer sabendo, devíamos nascer velhos.
Perdemos muito tempo na busca da iluminação.
E esta aventura foi uma busca irrevogável e irreversível, uma viagem de encontro ao meu eu.
Foi uma luta por minha sanidade, não uma luta contra alguém.
Foi uma luta para me conhecer e respeitar, para livrar-me de minhas desesperanças.
E se aceitei a crucificação, não foi por uma dor atroz, nem por algum desmerecimento, mas sim como um meio de descobrir minhas origens, tão confusas e incompreendidas por mim.
E se em minhas experiências de vida descobri que me crucificaram por suas vaidades e preconceitos, sem a mínima humildade para me entenderem, já não me importo mais.
Decerto, pensavam alguns, que eram muitos — ninguém é melhor do que eu — e diziam isso subentendido em seus argumentos e, objetivamente, em suas acusações.
E eles que se diziam pessoas de bem, de caráter, exemplares, e que respiravam o mesmo ar que eu respirava de Deus.
Agora, as pessoas que me magoaram, infelizmente, acredito, perderam-se muito mais do que eu, porque perderam em vida, amizade e valor.
Quando fragilizado apareciam os moralistas, que não eram poucos, eles nunca eram os certos.
E os conselhos, todos têm os seus na ponta da língua para dar, não é mesmo?
Nunca dei aval para se aproveitarem de minhas fraquezas e de meu amor.
Aproveitaram-se porque quiseram, por soberba, para testarem suas forças por vaidades, por oportunismo, por acharem-me um fraco, mas foram mais fracos do que eu.
Aproveitaram-se por suas índoles e por seus desejos, não por minha culpa, eis a verdade.
O que deteria um animal selvagem quando se dispõe a atacar sua presa?
A ganância! O que deteria um ganancioso? O que deteria a ambição? O que teríamos que lhes dar para o satisfazer?
Teríamos que lhes dar o que querem, diriam alguns.
Mas digo, com certeza, depois que lhes dessemos o que querem, teríamos que lhes dar mais.
A luta pela sobrevivência tornou-se desleal, jogava um contra o outro, e incentivada por uma sociedade consumista e competitiva, criou monstros.
Quando estamos com alguém, ou quando dizemos que amamos alguém, nos tiram o sangue, querem nos humilhar, querem provas de nosso amor.
Com o tempo cada um mostra o que tem dentro de si.
O que viam em mim estava dentro deles, não me responsabilizo por isso, culpo-me apenas por incrédulo e inconsistente, deixar acontecer.
Os demônios que pintavam em mim, não eram os meus belos demônios tentadores e nem tinham as minhas cores.
E os anjinhos, que algumas pessoas benevolentes acreditavam ver em mim, também não eram os meus anjinhos, pois estes, ainda pairavam nos céus para me esclarecer.


                                                             Parte VI

"Sou o que sou", diz Saint Germain.
E é esta a verdade que venho perseguindo há muito tempo e que vem sendo um dos maiores desafios de minha vida, e dos quais ainda não consegui me afirmar.
Às vezes, admirava-me com a eloquência e o subterfúgio de alguns, habituados na defesa de seus interesses, de justificar o que lhes convém.
Mentes malignas.
Orgulho e vaidades é o que saíam de suas bocas, apenas para se vangloriarem de suas verbosidades e menosprezarem os outros.
No meu meio o diálogo prazeroso quase deixou de existir, tornou-se uma coisa ancestral.
O monólogo auto suficiente prevaleceu e virou uma praga atroz, bem como o diálogo, conflitante, perdeu suas razões de existir.
Críticas preconceituosas e o fanatismo — geradas pelo absurdo da ignorância e da inadequação — não eram problemas meus; aí, o colégio e a filosofia teriam o seu valor.
Muitas pessoas falam de coisas das quais nunca se deram ao trabalho de conhecer.
Falam com sabedoria de assuntos dos quais nunca estudaram, e criticam coisas pelas quais nunca se interessaram em compreender.
Julgam as pessoas pela aparência ou por que ouviram falar.
Usam suas mentes para justificarem suas afirmações e maquinações diabólicas, ou somente por suas crenças cegas, e acham que isto basta, não respeitam os sentimentos dos outros, julgam a tudo e a todos como iguais.
O mundo evolui rapidamente em quase todas as áreas técnicas e científicas, mas a mente humana, sem questionamentos sérios e filosóficos, parecem-me um prolongamento de seus demônios interiores, não evoluem, são viciadas.
Espero que vocês estejam felizes onde estiverem seus advogados do diabo, psicólogos, psiquiatras e médicos incompetentes..., e que troquem os seus caminhos por outros de paz e de luz.
E que defendam seus protegidos com integridade e com amor; e que aprendam mais e se iluminem mais para ajudar os necessitados de seus conhecimentos, caso contrário, afastem-se de suas profissões.
Sempre considerei-me um liberal, não um libertino, caros inquisidores.
E se, desde jovem, quiseram me encaminhar para o inferno, agora adulto e mais otimista, ainda acho que o céu é o meu destino.
E se alguns fanáticos religiosos me encaminharam para a morte com doenças inexistentes, ainda estou vivo.
E tive sorte, pois tenho os meus vícios.
Só não consigo entender como eles, com suas vidas regradas e proteções exclusivas, morrem também.
Infelizmente, como o tempo passa inexorável, os jovens chegaram a idade adulta.
Talvez, pela compreensão de meus sentimentos e por minha busca incessante e sincera de outros valores espirituais, é que minha amizade com os jovens bruxos tenha durado o tempo que durou.
Deixo aqui minhas histórias, que não são todas e que não são muitas, apenas como uma pequena lembrança de uma época que jamais esquecerei, e como uma homenagem a todos os que dela participaram.
E aos meus amigos sinceros, deixo aqui a minha sincera amizade e eterna gratidão.

                                                             
 Celso Roberto Orsini


Obs:                    
                                                                                                                                                             Peço desculpas aos meus leitores e um pouco de compreensão pelas constantes correções gramaticais e por minha falta de clareza em alguns tópicos deste blog.
Por ser minha primeira experiência como escritor, ainda sinto uma grande dificuldade em lidar com meu idioma.
Então, à medida em que me ilumino e me disponibilizo, vou fazendo as correções e procurando dar maior clareza as histórias que publiquei e que vou publicando.
E, com o tempo, tudo vai dar certo e tudo vai ficar bem.
Obrigado.

O DESPERTAR





Quando o despertar chegou, certamente eu não sabia o que esperar, nem o que minha alma ansiava.
E eu ansiava por tantas coisas e, como todos, desejava ser feliz.
Mas, o que eu poderia esperar, se nestes tempos vazios eu caminhava perdido e sem fé, sem progredir, sem compreender.
O que poderia esperar do mundo, de minha vida, se eu não conhecia o meu Deus nem o que amava o meu coração.
E, ainda hoje, quando sinto-me triste e perdido, quando tudo parece desabar novamente sobre mim, recordo-me daquela invulgar sensação daquela noite de verão, daqueles poucos minutos de alucinação.
E dentre todos os momentos marcantes de minha vida, este foi, com certeza, o meu limiar interior, insano e indescritível como o foi, que conduziu-me por caminhos diferentes de todos aqueles que imaginei.
E das visões espirituais que eclodiram com o tempo, a que mais me espantou e emocionou, foi a grata surpresa e o supremo mistério de encontrar-me errante por aqui.

Celso Orsini



Tudo começou numa noite linda de verão, numa época crítica de minha vida.
Passava da meia-noite, não recordo o dia, sei apenas que era perto do Natal.
Nesta época de desesperanças eu não tinha mais com o que sonhar.
A vida tornara-se um fardo, uma rotina monótona, uma imposição de valores e preconceitos morais, acumulado de responsabilidades familiares e poucos lazeres pessoais.
Uma armadilha.
Envolvido em laços femininos perfumados e autoritários eu me sentia perdendo o valor.
Nestes tempos idos, aos 48 anos de idade, uma grande tristeza e terminal desilusão invadiram o meu coração.
Meu casamento, destruído por brigas constantes, falta de dinheiro e ciúmes exacerbados de minha cônjuge, ocasionados por conceitos arraigados e definições radicais contra a minha espécie, acabaram com minhas expectativas de felicidade e a realidade tornou-se fria.
Com tantas críticas femininas ao comportamento masculino, eu já não sabia mais como proceder.
Nascido num ambiente familiar de mulheres fortes e pouco flexíveis, eu sentia muito a falta de meu pai, que perdi aos 19 anos de idade.
E sempre soube que nos amou.
Mas agora eu chorava a sua falta e o vazio que me deixou e, tardiamente, com premência, eu necessitava de seus carinhos e conselhos, como homem e como pai, e a saudade vinha me acariciar.
Na verdade, em meus desalentos e desencantos, eu precisava de um dia só para mim.
Um dia em que pudesse resgatar minha identidade masculina que se perdia entre as Rainhas de Espadas.
Um dia que me respeitassem pelo que sou, por minha natureza, meus instintos e minhas opiniões.
Quando jovem, em minha fragilidade, sempre vi as mulheres como seres especiais, protetoras e maternais, e bem mais confiáveis sentimentalmente que os homens, e sempre as considerei como iguais.
Mas hoje, com minha idade e experiências de vida, muita coisa mudou.
Hoje percebo que não somos tão iguais assim.
Na verdade, somos bem diferentes.
Mas eis a beleza, a dualidade tentando se completar.
Para quem não sabe, Crowley, numa de suas cartas de tarô, através das pinturas de Frieda Harris, retratou sua Rainha de Espadas segurando em sua mão esquerda a cabeça decepada de um homem.
Com sua mão direita ela empunha uma espada abaixada em sinal de saciedade; e, ao alto, acima de sua cabeça, vemos o rosto de uma criança.
A Rainha de Espadas está sentada num trono entre as nuvens.
Certamente esta Rainha é uma psicopata assassina, pois além de cortar a cabeça do homem, ainda faz a criancinha presenciar a cena com candura celestial.
E nem vou filosofar sobre isso, que me dá arrepios.
Outros conceitos que me induzem esta Rainha poderosa, por não ser este o objetivo deste capítulo, não os comentarei por aqui.
Deixo, a seguir, algumas indicações de seu poder subentendidos em meu contexto, para a compreensão de pessoas bastante sensíveis ao meu divagar.
Mas, voltando ao assunto.
Após algumas desavenças corriqueiras, mas agora fatais, saí de casa para caminhar.
Era uma noite agradável de verão, próximo ao natal, e a rua estava deserta, tranquila, silenciosa.
Nesta noite de verão quase tudo estava perdido e o mundo nascia sem sentido e girava ao contrário do que sempre idealizei.
Nestes tempos eu andava muito deprimido.
Sempre fui um sonhador, um escapista do mundo "real", mas agora, suicida, estes sonhos antigos já não me acompanhavam mais.
Estórias de realizações que desejei e os sonhos infantis e juvenis que alegraram-me a alma e o coração e trouxeram-me a força para lutar, agora, definitivamente, perdiam-se por uma estrada escura e sem fim.
Mas Deus tem os seus desígnios e não me deixou cair.
De repente, a surpresa.
Quando atravessei a rua, na calçada oposta à esquina do meu prédio, no meio da quadra do outro lado da rua, um estalido estranho em minha cabeça.
Entrei em pânico, achei que fosse morrer.
Naquele instante o ritmo mudou, inacreditavelmente o tempo desacelerou.
Algo acontecia que me surpreendia e preocupava.
Meus sentidos alertavam-se assustados, observadores de um suspense total.
Impotente ante minhas inauditas reações, minha mente silenciou.
Um suspense.
Vi-me a andar em câmera lenta.
Junto a este fenômeno atemporal, o som de uma música romântica entrou em meu coração.
À princípio ela surgiu baixinho, depois aumentou o seu tom.
Sem entender o que estava acontecendo, olhei para trás.
Foi quando vi um carro aproximar-se vagarosamente, num tempo que escorria lentamente e, acredito, que através de seus potentes alto-falantes, a música tocava alta e em bom som.
E se fosse alguma música celestial, algum anjo a enviara para mim.
Desconfiei que fosse a voz de um cantor conhecido no Brasil e que a música se repetiria pela mídia. Mas hoje, depois de tanto tempo de expectativas, entendo que me enganei, pois nunca mais a ouvi tocar.
No mesmo instante, uma paz reconfortante surgiu.
No silêncio da noite, em passos vagarosos, a música invadiu minha alma:
— Você é o meus lábios de mel. — dizia-me ela.
E o refrão me repetia:
— Você é o meus lábios de mel... o meu amor... a pessoa que eu queria encontrar...
O carro aproximou-se lentamente, acompanhou-me por alguns segundos e, a seguir, demorou-se na esquina e partiu.
Partiu levando consigo a música que tocou o meu coração.
E tudo acontecia lentamente.
Querendo continuar a ouvir a música, forcei os meus passos, que não respondiam ao sinal.
E ao longe, o carro, num acentuado colorido de luzes, partiu lentamente.
E neste instante senti-me abandonado, entristecido, quase em desespero.
E no tempo que despertei, não sei precisar o tempo real.
E em vez de chorar, meu coração abriu-se como nunca se abrira antes.
Abriu-se para os cuidados e os sentimentos daquela criança ainda desconhecida que vivia dentro de mim.
Abriu-se para a compreensão de seu amor e de nossa união imortal, e o medo inicial cedeu lugar a euforia.
Extasiei-me.
— Você é os meus lábios de mel — dizia-me a criança. Você é a pessoa que eu queria encontrar...os meus lábios de mel... o meu amor...
A partir daí eu compreendi.
Sensivelmente o meu mundo começava a mudar para sempre.
Incrível a simplicidade destas palavras e a força com que me tocou.
Alguém me amava.
Alguém que estava dentro de mim me amava como nunca alguém me amou.
E esta criança dizia-me simplesmente que eu era os seus lábios de mel, a pessoa que ela queria encontrar.
E prosseguia num acalanto:
— Você é o meu amor Celso... eu te amo...
Então compreendi que o que sempre procurei lá fora, sempre esteve dentro de mim, chamando por mim, cuidando de mim.
E os sentimentos desta criança eram intensos e verdadeiros, admiráveis como jamais algum o foi.
Um amor excepcional.
Uma paixão imortal.
E finalmente compreendi que tudo o que eu vivi, eu vivi por ela.
Que tudo o que eu passei em minha vida aconteceu por sua vontade.
E que todos os caminhos que trilhei, nos desafios supremos de minha vida, na ilógica aparente de meu destino, nas tristezas e nas alegrias, ela sempre esteve ao meu lado.
E tínhamos vivido uma grande aventura juntos.
Tínhamos sofrido, brincado, amado, sido felizes.
Combinamos viver assim... até morrer.
Por sua espontaneidade sincera, deduzi que meu destino já estava traçado antes mesmo de eu nascer.
Ela dizia-me que viemos para brincar, nos divertir.
Que viemos para aproveitar nossa viagem até o fim, sem mágoas e rancor, que tudo já estava previsto.
Que viemos para correr os riscos desta louca aventura que é viver, aprender e não desistir.
Dizia-me como se tivesse uma grande sabedoria, uma sabedoria de tempos imemoriais:
— Não perca tempo! Vamos continuar... Vamos brincar.
E esta criança certamente não era somente deste tempo.
Sempre considerei-me um medroso, mas ela não me demostrava que o fosse.
Mas ela era uma criança "inconsequente", uma criança imortal.
E, também, se alguma coisa saísse errado, quem sofreria as dores seria eu, pensei.
E, num insight, percebi que levaríamos nossas lembranças por toda uma eternidade, num vínculo de amor indescritível, inseparáveis.
Eternamente juntos.
E esta criança irascível e sapeca, que nem se apresentou, sentada numa pedra enorme para o seu tamanho, batendo palmas, agitava-se feliz:
— Vamos, Celso! Não desista... está dando tudo certo até aqui... nós chegamos... vamos continuar... vamos brincar... Você é os meus lábios de mel... meu amor... Lembra?...
E este amor reconfortante, advindo de um êxtase espiritual, eu não o teria como explicar.
A seguir, em flashes, mostrou-me alguns momentos do passado.
E insistia:
— Viu só, Celso... era só uma brincadeira...não era nada a sério... nós estávamos só brincando... lembra?...
E recordando-me as pessoas que amei e que partiram deste mundo, ela pedia-me simplesmente para não desistir, que tudo foi um brincadeira.
— Elas já sabiam que iam morrer... tudo já estava programado... elas já sabiam o que ia acontecer... nós vencemos... vamos continuar... vamos brincar.
E no mesmo instante em que mostrou-me uma das cenas mais críticas e traumatizantes de minha vida, eu compreendi.
— Viu só Celso... aquilo foi perigoso... Que loucura!... Eu fiquei preocupado... torci por você. Mas nós vencemos... nós conseguimos...
E nesta cena fatal, que aconteceu num passado distante, ela olhava-me de algum ponto acima da cena, tensa, com suas mãozinhas apertadas uma nas outras, em expectativa.
E ela estava certa, nós já sabíamos o que ia acontecer.
Já sabíamos do risco desta viagem.
Nós todos  já sabíamos o que iria acontecer.
Instantaneamente o transe mudou.
Olhei para o vento e as árvores ao derredor e interagi com eles.
Vivíamos no mesmo mar, mergulhados no mesmo oceano.
E a distância, uma bonita e imensa árvore copada transmitia seus influxos para mim.
Então compreendi que esta árvore frondosa, intensamente bela e vulnerável, estava ali para nos proteger e alegrar, e que precisava de nossos cuidados e carinhos para sobreviver.
Amorosamente levantei minha mão esquerda e, estupefato, afaguei suas folhas
Em volta um ar denso, magnético, agitava-se; senti-me mergulhado em águas cristalinas.
Quando extasiado eu movia minhas mãos, as ondas geradas seguiam o seu curso e tocavam ao longe.
Após estes eventos o tempo voltou ao normal.
Dei a volta ao quarteirão e voltei para casa calado e feliz.
Reencontrara o meu "EU", mais antigo do que eu, que amava-me incondicional.
O "universo" mostrava-se a sua maneira, em novas dimensões, e o reencontro com o meu ser acalentava o meu coração.
Após isto, se seguiu uma semana de intensa alegria.
Dons surgiram e minha sensibilidade aumentou.
Eu captava os sentimentos dos outros apenas com o olhar, na empatia eu compreendia melhor suas aflições.
Uma semana de intensa euforia, amor e compaixão.
O tarô viria depois.
Num sábado, à tarde, resolvi entrar numa empobrecida igreja do bairro para agradecer os dons recebidos.
Estranhamente, na hora em que o padre oficializava a comunhão, algo nele chamou-me a atenção.
Minha intuição aflorava novamente.
Sua tristeza me incomodava e, para desviar-me de sua cruel realidade, saí antes do ofício terminar.
Ele precisava de ajuda.
Os eventos narrados acima nunca mais se repetiram.

O CANTINHO



             * Os temores que conhecemos
                São os de não conhecer. O cair da noite virá trazer-nos
                Alguma ordem medonha — Abra uma loja de ferragens
                Numa pequena cidade... Ensina ciência a vida inteira a
                Meninas progressistas — ? Está ficando tarde.
                Seremos chamados algum dia? Somos simplesmente
                Não desejados para nada?
   
                                        W. H. Auden — A idade da Ansiedade
           

No ano de 1.984, após uma desastrosa aventura comercial em Blumenau/SC, meu irmão e eu, desgostosos, retornamos a Porto Alegre.
Aportamos falidos, sem quaisquer condições financeiras para reabrir um outro negócio.
Atordoados com o fracasso de nossa empreitada em terras distantes, ainda desanimados, ficamos a deriva.
Nestes tempos de tristezas e incertezas, nossa mãe, para nos socorrer e auxiliar, veio nos incentivar a prosseguir.
Com seu apoio financeiro otimista e complacente, depois de algum tempo de desesperanças, a fé retornou, e, corajosos, decidimos reabrir um novo negócio na capital e trabalhar no que sabíamos fazer.
E tudo começou assim.
Abrimos uma pequena loja de consertos de aparelhos eletrônicos no bairro onde eu moro.
À princípio tudo bem.
Com laminados de madeira dividimos a loja pequena.
Na frente recebíamos os clientes e na parte de trás fazíamos os nossos concertos.
Passados dois anos improdutivos e cansativos, como o dinheiro ainda era pouco, decidimos incrementar os negócios.
Fixamos um expositor na parede esquerda da loja e começamos a montar a nossa ferragem.
Nos ganchos pendurávamos produtos encartelados, basicamente materiais elétricos e utilidades, tais como buchas e parafusos.
Como ninguém é louco ou bobo para perder o pouco que tem, sem quaisquer conhecimento do ramo, nos aventuramos aos poucos.
Logo a seguir, compramos um novo balcão de vidro para expor as mercadorias e fomos nos especializando.
Apesar das perdas por gerências inaptas, este novo conceito começou a dar certo.
Aos fundos, conjugado ao banheiro, há um pequeno espaço, com 2 m e 13 cm de largura por 74 cm de profundidade.
Com o crescimento dos negócios, neste pequeno espaço vazio, construímos um pavimento de madeira.
Acima do teto, feito de madeira bem forte, alicerçado por seis grossas vigas, colocávamos o estoque de mercadorias e, abaixo, para clarear o ambiente, uma lâmpada no centro da construção e uma outra na viga externa do meio.
Seguindo nossas metas, com o crescente das vendas, encerramos os cansativos e paupérrimos concertos eletrônicos e partimos para solidificar o nosso negócio.
Anos depois, com o sucesso explosivo de locações de filmes em fitas VHS, arriscamos.
Com os dólares economizados no tempo, compramos o ponto da sorveteria ao lado e abrimos a nossa vídeo locadora no local.
Por sorte, e por divagações econômicas, acertamos em nossa escolha.
Compramos as nossas primeiras fitas de vídeo um dia antes do congelamento de preços e da poupança no Brasil, (Plano Brasil Novo ou Plano Collor), promulgado pelo então presidente eleito Fernando Collor de Mello, em 16 de março de 1990.
Lembro-me que, no sábado, um dia anterior a posse do eleito, comentei com meu irmão que acreditava que "eles", depois de tantos planos econômicos que ocorreram ao londo do tempo, sem outras alternativas, iriam modificar o nosso dinheiro, e que ele perderia totalmente o seu valor.
Meu irmão, preocupado com o nosso futuro financeiro, concordou com minhas especulações.
Na verdade, afora a coragem para acelerar o processo, não tínhamos nada a perder.
E acertamos em nossas divagações filosóficas e fomos mais espertos do que eles, até onde deu, é claro, pois ninguém é mais esperto do que eles, ainda mais num plano em que, segundo a mídia e a oposição, matou milhares de velhinhos do coração e deixou desamparados outros tantos aposentados que tinham suas poupanças pelo Brasil.
A desgraceira, a choradeira e a pressão dos bancos, e o jogo político foi geral.
Mas, nós, tivemos sorte.
No mesmo dia, à tardinha, após uma rápida confabulação com meu irmão, corri para uma loja do shopping center do bairro para comprar as nossas primeiras fitas de vídeo.
E paguei com cheque.
Se adivinhamos a artimanha do poder, imaginem os experts, os economistas e os amigos do status quo.
Quanto não devem ter ganho com estes planos econômicos.
Não é a toa que muitos ficaram ricos neste país.
Os novos ricos que ninguém sabe de onde vêm.
Nós nos ferramos com as mudanças econômicas, mas ferramos a loja que nos vendeu as fitas de vídeo também, pois segunda-feira, como havíamos previsto, o dinheiro havia perdido totalmente o valor.
Segunda feira, num desespero falimentar, uma funcionária da loja nos ligou tentando negociar a troca de nosso cheque por dinheiro novo, mas teve que desistir.
Que tristeza infiel.
Não tínhamos este dinheiro novo.
Ninguém tinha este dinheiro novo.
Na troca da moeda, ficamos com a merreca.
A perda foi para todos, não havia o que negociar.
E o que foi a bancarrota para alguns, foi a sorte e a felicidade para uns.
A vida no Brasil sempre foi assim.
Foram tantos planos econômicos que vivenciamos pelo tempo, que viramos apostadores do imponderável.
E meu irmão e eu nunca fomos jogadores, mas num mundo de espertos temos que nos avivar.
E este plano econômico, graças a Deus, nós conseguimos prevê-lo antes de chegar, sorte a nossa.
E nesta época de revoluções tecnológicas e sociais eu sequer era um vidente e nem conhecia o tarô.
A voz do povo é a voz de Deus, diz um velho ditado popular.
E nós elegemos o Presidente.
Mas Deus devia andar cochilando por estes tempos, porque, até hoje, ninguém sabe bem o que aconteceu.
E, Deus, segundo alguns otimistas, sempre esteve ao lado dos pobres e oprimidos, nunca ao lado dos ricos ou dos que detém o poder.
Mas alguma coisa saiu errado.
Não fomos tão espertos assim quanto pensávamos, pois do outro lado nos roubaram também.
Mas já desconfiávamos disso.
Sorte demais, até o santo desconfia.
Com o plano Collor, os juros praticados no Brasil iniciavam-se espoliativos e ilegais, e as dívidas amontoavam-se impagáveis.
Quase nos ferramos.
Começamos a dever a alma para os bancos.
Putz!
E Deus não teve nada a ver com isto, graças a Deus.
Na parede lateral contígua às lojas, fizemos duas aberturas para comunicação.
A primeira, próximo a entrada, com 54 cm de largura por 90 cm de altura e a segunda, aos fundos, com 52 cm de largura e mesma altura.
Com o passar do tempo, com mais de 2000 fitas de vídeo em acervo, invadimos os espaços vazios do cantinho e colocamos prateleiras de madeira em toda a sua extensão, reorganizando as fitas que já não cabiam mais nas prateleiras da vídeo locadora.
No lado esquerdo do cantinho, em duas prateleiras maiores, colocamos um rústico fogão de duas bocas, uma cafeteira e alguns utensílios.
Na parte de baixo, um forno de microondas.
E tudo foi sendo feito aos poucos, pois pobre é assim, vai fazendo tudo aos poucos.
E, nesta época, Morgana, que morava quase em frente as lojas, passava os dias conosco.
Desocupada, sempre vinha nos visitar.
Não sei em que tempo destas mudanças Morgana sinalizou-me o destino e apresentou-me o tarô.
Sei apenas que, empolgado com minha nova paixão, decidi criar um lugar especial para eu estudar e jogar o tarô.
Nesta época, um "amigo" nosso, que morava em frente as lojas e que prestava serviços de consertos para os clientes da ferragem, se prontificou a ajudar.
Divagando sobre minhas pretensões de vidente, disponibilizou-se a fazer uma mesinha baixa para minhas consultorias.
Não sei o porquê minha ex-esposa comprou uma cadeira preguiçosa para eu jogar, talvez para nivelar-me com a mesa.
Demorei a adaptar-me com a posição, pois a mesinha era muito baixa e a cadeira preguiçosa entortava minha coluna.
Mas, após algum tempo de insistentes dores nas costas, acabei me acostumando com as adversidades e gostei do clima exotérico.
Em continuidade, com a revolução tecnológica, tivemos que substituir as fitas de vídeo por DVDs.
O mundo transformava-se rapidamente.
Com a venda de fitas ultrapassadas as prateleiras começavam a se esvaziar.
Reaproveitando os espaços vazios, amadoristicamente, comecei a colocar alguns adereços que comprava ou recebia de amigos ou familiares.
Nestes momentos, imperceptível, o destino tramava sua teia.
Morgana vendeu-me a espada mágica, que tenho até hoje.
E nas minhas visitas às lojas esotéricas em que trabalhava, eu comprava a esmo, ou por indicação, quaisquer enfeites para embelezar o meu pequeno espaço místico.
E, depois, num encantamento, comecei a comprar o que me atraía.
Ao longo do tempo, nas prateleiras vazias do cantinho, coloquei várias estatuetas de bruxas e alguns poucos magos que encontrei pelo mercado.
Lucius presenteou-me com um dos seus.
A espada mágica continua fixada até hoje na viga do meio, encostada a parede.
As espadas menores foram distribuídas ao acaso.
Tenho a cruz ansata, vários pentagramas e outros símbolos, bem como porta velas, porta incensos, e por aí afora.
E, com o tempo, ganhei muitos presentes.
Futuramente, as madeiras cruas do cantinho foram pintadas de verde.
E ele foi separado do resto da loja por uma cortina vermelha que minha ex-esposa fizera para mim e que, compassivamente, meus jovens amigos ajudaram-me a redecorar.
E é neste lugar que guardo os meus livros esotéricos, os oráculos e minhas anotações.
E é este lugar que presenciou a minha trajetória ensandecida e o meu êxtase espiritual, que dividiu o meu mundo entre o antes e o depois.
Que acompanhou a destruição de minhas torres, solidamente estabelecidas, desde aquela noite predestinada de Dezembro, e observou em detalhes o rio flamejante por onde passou a minha desesperança.
E é por ele que nutro um grande carinho, uma lembrança imortal, uma dedicação especial e uma saudade precoce de um tempo que se desvanecerá.
E era onde costumávamos nos reunir.

               *  The fears we know
                   Are not of knowing. Will nightfall bring us
                   Some awful order — Keep a hardware store
                   In a small town... Teach science for life to
                   Progressive girls — ? It is getting late.
                   Shall we ever be asked for? Are we simply
                   Not wanted at all.

                              W. H. Auden,  "The Age fo Anxiety."
       

INTRODUÇÃO


" Se eu tivesse mais coragem e sabedoria, olharia para as flores destes jardins e deixaria que me encantassem mais.
Passaria feliz por estas fragrâncias alucinatórias, deleitando-me com suas belezas perfeitas, vivendo e superando meus medos e imperfeições, amando, pois nada teria a temer."

Celso Orsini.


Naquela tarde ociosa de um dia qualquer, quando Morgana sentou-se num banquinho atrás do balcão da vídeo locadora, apresentou-me o tarô e disse:
— Celso, eu vou ler as cartas para ti!
Mal sabia eu que minha vida estava prestes a mudar radicalmente.
E se naquela tarde ociosa e vazia meus antigos sonhos findaram, é por que eles teriam que findar.
E se estes novos conceitos clarearam o horizonte de minhas aflições e limitações e abalaram os alicerces de meu ego desgastado e ineficaz, não foi proposital.
E se as mudanças, com meu criticismo, atingiram emocionalmente os meus antigos relacionamentos, era porque eles, de alguma forma, já não morriam, porque eu não os deixava morrer, somente por isto.
À partir daquela tarde, num encantamento, um simples jogo de cartas alterou-me o astral e conduziu-me a uma procura incansável e apaixonante por outros valores espirituais.
E foi por esta sofreguidão que sofri e suportei o que vivi, senão teria que reconhecer que enlouqueci.
Só Deus poderá julgar-me os atos.
Só Ele poderá julgar-me as alegrias, as tristezas e a dor, às vezes quase que insuportáveis de se manter, mas que esforçava-me ao máximo para não deixar transparecer.
A iluminação ocasionou-me a renovação dos atos e, consequentemente, a quebra desencadeada de antigos padrões de comportamento e desgastados valores morais.
As mudanças atingiam-me imprevistas e surgiram tão opressivas e radicais que, muitas vezes, procuro-me entre os destroços.
Se, com o tarô descobri a Cabala, com ela, velejei por mares distantes.
Viajei por mundos distantes e fascinantes, desvelando progressivamente os seus mistérios.
Foram tempos de êxtase e de euforia, de estudos diários e estupefatos.
Imaginem eu, um pragmático que sou, envolvido com conhecimentos que sempre considerei impalpáveis por serem divinos.
Inevitavelmente, meu passado teria que esboroar-se num nada de crendices e superstições.
Como gostaria de voltar ao passado e conversar com meu pai.
Dizer-lhe que tudo estava bem.
Dizer-lhe que as crenças por que tanto sofreu e temeu não foram tão reais assim quanto ele pensava.
Que ele poderia ter superado os seus medos e vencido.
Mas, infelizmente, lamentavelmente, já era tarde demais.
Tempos perdidos em vão.
Lamentavelmente, estórias de desconhecimentos do além jaziam sob os escombros da vida.
Agonias passadas em vão.
E eu, com esta tristeza insofismável e com esta saudade persistente e amorosa, seguia arrebatado por novos caminhos, desbravando o meu mundo novo e encantado, desconhecido dos demais.
Inevitavelmente, diante destas novas descobertas, a compreensão filosófica da doutrina cabalística alterou-me a visão da realidade e desamparou-me do mundo real.
Quando conheci a Cabala e compreendi o seu poder infinito, admirei-me.
E admirar-se assim é quase enlouquecer.
E aventurar-me pelo desconhecido como o fiz, sem preparação, é arriscar-me.
E arriscar-se foi a sina de um louco.
Mas havia uma razão inadiável e inquestionável.
E esta razão era eu.
E tamanho foi o impacto psicológico das forças recém descobertas que dissociei-me, e entrei numa luz de tamanha felicidade que não teria medo de olhar para Deus em sua plenitude.
E é incrível dizer isto, mas, nestas épocas de êxtases e de iluminação, eu não teria medo de olhar para Deus.
Mas o tempo não se preocupa com nossos desejos e regalias pessoais, ele segue adiante, matemático, imutável.
Ele não se preocupa com nossas viagens oníricas, nem com nossos conhecimentos.
E muito tempo depois, à alguns anos atrás, para me consolar, olhando para os meus livros amados jogados nas estantes da ferragem, encontrei um deles que melhor descreveu os processos que passei.
E sintonizando com suas palavras, meu ser inculto e sem fé, foi compreender.
O livro foi-me dado de presente por uma parente que desconhecia o seu significado.
Este livro jazia empoeirado na estante há décadas, esperando por um milagre, por um dia que eu desse conta de sua existência.
E quem sabe, neste dia ele ainda estivesse lá com suas explicações.
Este livro intitula-se a "Cabala", de Perle Epstein.
Um livro iluminado.
Um escrito de grande sabedoria e lucidez, que trouxe-me à tona algumas respostas dos episódios que passei.
A seguir, um texto extraído do capítulo "O jardim oculto".
Segundo Perle Epstein, estudar a Cabala assemelha-se a entrar num jardim esplêndido, porém perigoso.
Cada portão desse jardim conduz-nos mais fundo para visões alucinatórias, ciladas que ludibriam o viajante incauto em cada volta.
Segundo ele, os sábios judeus previnem a todos, exceto ao homem perfeitamente ético, que se afastem deste lugar
Alertam para o perigo que espera os desejosos de entrar neste jardim.
O peregrino bem sucedido, que integrou seus "eus" psicológicos, éticos e espirituais, continuará até atingir um espaço aberto.
E neste espaço cresce uma árvore frondosa, cujos ramos são compostos por dez esferas de cores diferentes, cada uma representando um "mundo" ascendente, um nível de percepção espiritual.
Ao encontrar essa "árvore da vida", o místico sabe que atingiu o ponto onde está realmente pronto para a escalada.
Os portões o conduziram ao pardes oculto, o jardim secreto, onde cresce a árvore sagrada, que marca sua ascensão a Deus.
Segundo Perle Epstein, os rabinos talmúdicos contam a história de quatro grandes sábios:
Ben Zoma, Ben Abuyah, Ben Azai e o rabino Akiva.
Segundo os relatos históricos, Ben Zoma enlouqueceu, e Ben Abuyah tornou-se um traidor apóstata.
Ben Azai morreu em sua plenitude e Akiva, aos noventa anos, tornou-se uma santo iluminado e um mártir.
Ben Azai "olhou e morreu", pois sua alma ansiava tanto pela sua fonte, que instantaneamente abandonou o corpo físico ao entrar na luz.
Ben Abuyah, cuja confusão mental não tinha sido suficientemente aclarada, olhou, e vendo não um Deus, mas dois, tornou-se instantaneamente um apóstata.
Ben Zoma olhou e enlouqueceu, pois não tinha reconciliado a vida comum com sua experiência visionária.
Apenas o rabino Akiva, o homem de equilíbrio perfeito, entrou e saiu em paz.
Espero que meus amigos gostem das histórias que publiquei.
Descrevo neste livro minhas experiências pessoais e deixo-as para a eternidade.
Liberto experiências incomuns que gravaram-se ao longo do tempo em que a iluminação chegou.
Entrego aos piedosos leitores as críticas e avaliações arbitrárias destes momentos únicos e mágicos que passei e que, com certeza, jamais retornarão.