quarta-feira, 10 de outubro de 2012

NOTAS DO AUTOR



                                                          Parte I

As histórias que publiquei neste livro, com algumas exceções, ocorreram no período de uma década, aproximadamente entre os anos de 2000 e 2010.
Foram histórias extraídas do meu cotidiano e aconteceram exatamente como as contei.
São passagens de momentos únicos e fascinantes, que se iniciaram num marco indelével, numa noite inesquecível de dezembro, quando saí de casa para caminhar.
São relatos de experiências únicas e memoráveis, que vivi ao longo de uma década.
Exponho nelas meus pensamentos e minha sensibilidade, e, em grande parte, minha longa e gratificante convivência com os jovens bruxos e com muitos amigos que surgiriam depois.
Naquela noite encantada tudo começou.
Os acontecimentos sucederam-se rapidamente, e o meu mundo girou.
Se existe alguma predestinação, este foi o meu dia predestinado.
Naquela noite o despertar chegou sem avisar, como uma iluminação, um êxtase divino, uma experiência surrealista, trazendo-me à tona, em minha alucinação, o reencontro de uma paixão imortal.
E, a partir daquele instante, um novo horizonte surgiu e se sobressaiu de minhas angústias passadas.
E, apesar das tristezas de uma vida perdida em incompreensões, a recompensa chegou.
E a alegria foi o meu bem maior, privilégio que surgiu da indescritível felicidade de me conhecer e de ser.
Encantamento que proporcionou-me o fulgor extasiante de amar a vida e as pessoas como elas são, com um outro sentir, um outro querer.
Fascínio que me fez suportar o exílio de um martírio cruel, pelo simples prazer de amar a vida, de viver estes momentos únicos e incríveis que se apresentavam a mim, e de me apaixonar novamente.
De apaixonar-me pela vida, pela simples razão de viver este idílio enebriante que nascia dentro de mim, e que me envolvia e me engrandecia como ser, sem nenhum interesse pessoal ou mesquinhez.
E esta felicidade esfuziante despertou-se com um estalido estranho em meu cérebro, e foi o meu bem maior.
Apenas um som seco e breve, de curta duração, mas que chegou devastador, como uma qualidade celestial, um privilégio, uma exaltação do meu ser, um dom.
Senti-me como um viajante de terras longínquas aportando num paraíso encantado, impressionado com as riquezas que via por aqui.
Admirei-me com a imponência dos seres, com as belezas do mundo, as incógnitas da vida.
E ao girar da roda da fortuna, nesta noite encantada de Dezembro, este foi o meu sentimento puro e forte que aflorou.
De amar a vida e as pessoas como elas são, com uma outra visão, um outro querer, uma outra razão.
E compreendi que este poder vinha de Deus, e que eu era apenas uma onda pequenina neste oceano.
Uma onda que nasceu ínfima num instante para projetar-se para além do seu meio.
Uma onda que aventurou-se por lugares fantásticos e sombrios, para ver o que todos não viam, sentir o que não sentiam e saber o que não sabiam, e me extasiar.
Uma onda pequenina e bravia, que lutou por seus direitos e princípios desde o início.
Lutou por sua liberdade e dignidade, mas que, ao afinal, vencida por críticas assediantes e demônios astrais, esmoreceu.
Acovardou-se para seguir em frente, para libertar-se de velhos hábitos e padrões, para aceitar o que há muito tempo já pressentia.
Mas, hoje entendo que tudo teria que acontecer assim.
Sempre lutei para fugir do lugar onde deveria estar.
É isto o que compreendi.
O ser humano é único e irrepetível em sua essência, uma onda pequenina a enfrentar o oceano da vida.
Um ser que nasce invisível do ventre do mar, que, corajoso, avança para se individualizar e lutar por seus sonhos e ideais.
Muitas vezes queda-se acidental, outras vezes, hostilizado pelo meio, sucumbe, quase sempre subjugado por preconceitos e concorrências, muitas vezes vencido pelo acaso.
Uma onda que desespera-se no ritmo inconstante das marés.
Que ama, sofre, chora e sorri.
Uma alma que num instante envolve-se frágil num corpo, necessitando de cuidados até para sobreviver.
Que luta enfim para vencer os seus obstáculos e superar os seus limites, neste grande enigma que é viver.
Uma empuxo que destinou-se a brilhar e a alçar os voos mais altos que possamos imaginar.
Uma onda que nasce ínfima num instante, avoluma-se na trajetória para erguer-se majestosa noutro instante.
Que projeta-se para além de seu mundo para compartilhar, para deixar sua herança.
Uma onda que alarga-se para brilhar, neste mar agitado de sentimentos e desejos em ebulição, neste mar de perigos e incertezas.
Uma onda corajosa e passageira.
Um destino que se esvai e se repete pela eternidade, uma onda pequenina nesta imensidão.
E neste tempo que destaquei e confinei numa década, um livro encantado de arquétipos descortinava-se para mim.



                                                           Parte II

Exceto pela citação de meus dois filhos, minha sobrinha e meu sobrinho, alterei o nome de todos os outros personagens, no intuito de salvaguardar suas privacidades.
Por serem histórias que guardei de memória, procurei na introspeção e na ajuda de alguns amigos protagonistas, resgatar suas autenticidades.
Em minhas exposições, reportei-me exclusivamente aos fatos condizentes e convenientes com as citações.
No resto, na medida do possível, calei-me, tentando evitar que invadissem, por inferências, a vida pessoal de seus integrantes, que não nos interessam e que não cabem a mim divulgar.
Algumas descrições, que por fidelidade ao texto, ou que inadvertidamente ousei publicar, pudessem revelar a identidade de alguns de meus personagens, afianço que, com o tempo, cairão no esquecimento e só os mais próximos saberão.
Todas os comentários e opiniões abordados neste livro, partiram quase que exclusivamente de minha visão e compreensão dos fatos que presenciei.
Algumas versões e opiniões citadas por alguns de meus personagens, deixei-as destacadas em minhas histórias.
Peço desculpas a todos os que, de uma forma ou outra, magoados, sentiram-se injustiçados em algumas de minhas histórias e discordaram de minhas opiniões, credito a mea culpa.
Sou inteiramente responsável pelo que escrevi.
E se alguns de vocês se decepcionaram com o meu enfoque crítico, insinuando que errei em minhas avaliações, com certeza têm razão, pois sempre soube que são maiores e mais complexos como seres humanos, do que os das breves histórias que contei.
E se divaguei incoerente e fantasioso em algumas delas, com certeza se deveu à minha ineficiência de julgar e de compreender as minhas ações, aceleradas pelas minhas loucuras e pelos êxtases do momento.
Mas, se quero ser honesto para comigo, tenho que deixar minhas verdades.
Tenho que dizer o que pensei e senti nesta época turbulenta de grandes mudanças pessoais.
Atualmente, com certeza eu não agiria da mesma forma, e minhas ações e opiniões seriam diferentes.
Hoje, mais amadurecido, talvez eu recuasse e recusasse o viver.
Talvez voltasse a encarcerar aquela criança bendita que pedia-me para brincar, e desistido de viver.
E muitas coisas que conto aqui não teriam acontecido.
Mas nada se perde quando não se tem nada a perder.
E nada se justifica quando não viemos para nos justificar.
E tudo é permitido para aquele que nasceu para brincar, se conhecer, para entender.
E quando já não temos mais nada a perder nem o que justificar, quando começamos a olhar para dentro de nós, todos os erros e enganos que vivemos não passaram de sombras, conceitos fugazes, armadilhas da vida que temos que transcender.
Viemos para nos iluminar, sentir o amor.
E no presente imortal, aquela criança amorosa andava cada vez mais irrequieta e ansiosa.
Andava cada vez mais descontente comigo, queria explorar o meu mundo, queria brincar.
E reafirmo que, todos os pontos de vista que expressei foram unilaterais e de minha inteira responsabilidade.
E que de nenhum modo, e por nenhum ação tácita, escrevi minhas histórias num intuito vingativo ou para denegrir a imagem de alguém.
E se ficaram verdades em minhas histórias, não as trouxe aqui para discriminar, nem para me vingar.
Deixo-as somente como um testamento.
Amei a todos sem exceção e tentei protegê-los.
E se fizessem algum mal a vocês, que o fizessem a mim.
E se amei alguém um pouquinho mais ou um pouquinho menos, isto foram lá, coisas do coração.


                                                           Parte III

Com a ajuda de Lucius, explorei minhas experiências e aventuras, em histórias como "Um devaneio com Lourein" e "Evelyn", por exemplo.
Revivendo nossos loucos momentos do passado, acredito que agora mais lúcidos e racionais, concordamos em dois pontos.
Concordamos que nestes contos que o citei,  nossos sentimentos foram iguais, e que os fatos aconteceram a semelhança que os descrevi.
As diferenças que pleiteamos, não passaram de incontestáveis enfoques pessoais.
Logicamente, que não conversei com todos os envolvidos.
Alguns se foram antes de eu iniciar os meus contos.
Hugo, a peça chave no desencadear de todos os acontecimentos, responsável pelas espantosas previsões que mudaram o curso de minha vida, não o conheci pessoalmente.
Nesta época, por mea culpa, não lhe dei a devida importância.
Infelizmente, todos os insights que dele recebi, inclusive a mais impressionante profecia de todas — as jovens bruxas — me vieram por intermédio de Kátia, minha sobrinha.
Kátia, apesar de insistir para eu conhecê-lo pessoalmente, eu, muito reservado, esquivei-me do contato.
Ainda hoje quando nós encontramos conversamos sobre ele.
Lembramo-nos de Hugo como uma pessoa gentil, sensível e iluminada, e sentimos por ele um grande apreço e admiração, apesar de ter desaparecido para sempre da vida de Kátia.
Silvia, Karla, Inocência, a senhora do Reiki, Evelyn... e tantos outros personagens que tive o prazer de conhecer nesta década, não mais os reencontrei.
E à medida em que escrevia minhas histórias, quando as confusões instalavam-se em minhas memórias, meus jovens amiguinhos ajudavam-me a reescrevê-las  com suas recordações.
Assim, obriguei-me a refazer o texto de meus contos várias vezes, a fim de enriquecê-los com os detalhes esquecidos.
Fiz-o, também, quanto a forma, mas nunca quanto ao conteúdo.
Ficaram poucos registros desta época.
Algumas datas esclarecedoras obtive-as pesquisando em antigos papéis, que ainda guardo em minhas pastas de cabala.
Algumas outras, coloquei-as por aproximação.
A diversidade de experiências e a intensidade com que foram vividas nesta década, somadas a minha longa amizade com os jovens bruxos, acarretaram-me uma grande dificuldade para compor os contos em ordem cronológica.
Posso ainda ter errado em alguns pormenores, mas acho que consegui delinear o meu horizonte, se não com sua exatidão, pelo menos em sua compreensão.
Foram anos de entraves mentais, falta de clareza e esquecimentos, com grande dificuldade para alinhar-me com datas inconciliáveis e fugidias.
Mas, agora, acredito que finalmente conseguir iniciar minhas histórias pelo início e terminá-las com um fim.
Peço desculpas a todos os que não inclui em meus contos, ou por esquecimento de momentos vividos que não consegui resgatar, ou talvez por histórias que ainda não decidi contar, porque, afinal de contas também sou um temperamental, um pouco rancoroso.
E se não escrevi sobre vocês, seus relegados, lembro-me de cada um.
Agradeço a todos os que vivenciaram comigo esta jornada de êxtase e iluminação, e que presenciaram os meus dramas e pesadelos, e mesmo assim permaneceram fiéis ao meu lado, nesta louca aventura que é viver.
Agradeço a todos vocês pelo carinho, a amizade, o apoio, o respeito e a compreensão que sempre tiveram por mim.
Aos outros, não tão amiguinhos assim, perdoo-os por suas malvadezas.
E aos demônios, em geral, espero mantê-los afastados, e almejo que se convertam, duas coisas quase que impossíveis de se suceder.
Os jovens, apesar de suas poucas idades, objetivamente, pois de resto não os sei avaliar, sempre me trataram quase que como um igual, e nunca os considerei como filhos, como pensavam e pensam alguns até hoje.
Mas os jovens sabiam disso, e sabiam que eu os respeitava como amigos.
Apesar de estudarem numa época de escuridão no Brasil, nunca me trataram por codinomes infantis: tais como tio, tiozinho, etc, vícios de tratamento tão em voga em nosso País, legado de escolas públicas nacionais, e levados por alguns, absurdamente, até a idade adulta.
E são vícios linguísticos que até hoje abomino e não aceito, me desculpem os egrégios orientadores de nossas escolas.
Nossas crianças merecem o melhor, e não precisam  de subterfúgios para se socializar.
Não as deseduquem, não as desrespeitem, tratem-nas como espíritos de luz.
O amor que sinto por meus filhos faz parte do meu ser e nunca os comparei a ninguém, e o parentesco, como sabemos, tem suas razões genealógicas para existir.
E espero que quando estiver bem velhinho, só os meus netos, se por acaso os tiver, venham me visitar com esta indagação: Oi vovozinho, como você está?


                                                           Parte IV

Peter, certa vez, inseguro em sua carente posição, talvez ciumento, indagou-me sobre uma possibilidade que o incomodava.
— Você sempre preferiu mais as gurias do que a nós, não é mesmo, Celso?
Sua pergunta foi indiscreta, direta e inesperada, pegou-me de surpresa enquanto eu voltava da vídeo locadora pela porta dos fundos.
Confundiu-me, tive que pensar.
— Não sei, Peter!... Talvez você tenha razão... Não sei... Meus sentimentos por elas foi forte, foi diferente. Não sei te explicar, foi especial. No começo, com certeza eu preferia mais a elas do que a vocês, mas agora, vejo que não. Pensei muito sobre isto, e hoje vejo que todos vocês estiveram em meu coração. Eu gostei de todos, sem exceção, senão já teria mandado todo mundo embora daqui, e teria ficado só com elas, não é mesmo? Mas uma preferência sempre existiu Peter, não adianta negar... Elas são mulheres... é diferente...
— Eu te entendo, Celso. — respondeu-me ele.
— E se não fosse pela coragem de Samara — emendei  — acho que nada disso teria acontecido, não é mesmo? Se não fosse pela coragem de uma guriazinha de apenas 14 anos de idade, eu jamais teria conhecido vocês.
— Eu te entendo, Celso.
Ele concordou ele, balançando a cabeça.
E eu me emocionei.
E paramos por aí, porque realmente o afeto que eu sentia por eles era muito grande.
E este afeto sempre foi o motivo principal para tantas incompreensões familiares e difamações que sofri.
Guardei muitas mágoas desta época e grandes foram as decepções.
Mas uma coisa é certa, se as cicatrizes ficaram e se às vezes doem com as mudanças climáticas, eu já nem me importo mais e sigo em frente.
E digo que, com o passar tempo, algumas delas parecem que já nem doem mais.
Mas outras, infelizmente, deixaram marcas indeléveis em minha alma.
Peço desculpas a todos os que, de uma forma ou outra magoaram-se com meus enganos ou com minhas broncas e incompreensões.
Certamente que elas não foram propositais.
Raramente eu descontrolava-me,  mas, às vezes, quando minhas águas invadiam um solo estéril,  minhas barreiras fragilizadas transbordavam e eu tinha lá minhas explosões temperamentais.
Sei que aconteciam pela minha opressão.
Chegara a uma fase da vida em que me decidira a dar um basta nas brigas e me proteger.
Sem defesas, para não me incomodar, no rugir mais alto das feras, adaptei-me a ouvir calado às divergências, e quando pudesse escapar, sumia.
Eu queria ser feliz, ser livre.
Nunca gostei de brigas e muito menos de discussões desarrazoadas, mas estava difícil eliminar estes males de minha vida.
Então, inevitavelmente, quando as represas se abriam com tantas intromissões, falsidades e desamores, vinha o choque da vazão.
Em meu descontrole, meus sentimentos entravam em ebulição, e embutiam-se ferozmente com minhas ânsias infinitas de libertação de rígidos padrões de comportamento e preconceitos sociais, que impediam-me de viver e ser feliz.
Meus amigos até que tentavam minorar a situação e me compreender, e me perdoavam pelas fúrias momentâneas que, afinal de contas, não eram tantas assim.
E agradeço a todos os que estiveram comigo nesta época.
Mas, na verdade, eu precisava reencontrar-me.
Eu precisava libertar aquela criança adormecida que, incontida, procurava novos desafios e que tinha ainda a ânsia e a vontade de viver.
Infelizmente, abandonei-a num passado distante, numa esquina qualquer de uma outra rua, num momento transitório de uma outra idade.
Abandonei-a esquecida pela insuflação de meu ego, no meio de tantas lutas inúteis e ambições desmedidas, esquecida pelas responsabilidades da idade adulta.
E agora raríssimas vezes eu a ouvia suplicar os meus cuidados e a minha proteção, e quando isto acontecia, sentia que olhava-me: Ora triste, ora alegre.
E suplicava-me ansiosa:
— Vamos Celso, vamos brincar!
E ela vinha socorrer-me como a um náufrago, amorosa, desesperadora.
E nestes tempos passageiros e determinantes em que despertei, apesar de tudo e de todos, eu me amei como nunca havia me amado antes.
Amei-me incondicional.
E para os incrédulos e cegos, tenho a dizer:  " Que entre o nascer do sol e o ocaso, por toda uma vida, por todas as simpatias e antipatias que senti, por todas as minhas explosões temperamentais, minhas sinceridades.
As antipatias eram naturais, nasciam da divisão do meu ser, mas nunca foram um ponto final.
Surgiam apenas por uma inadequação as suas vozes, que premiam meu coração e tiravam-me a liberdade de ser quem eu sou, e traziam-me à tona sentimentos de revolta contra as invasões gratuitas e hostis ao meu meio, que atingiam os meus sentimentos, agrediam o meu psicológico e minha integridade.
E eu precisava viver a minha vida, precisava urgentemente viver a minha preciosa vida e arriscar os meus conceitos, se não estaria perdido.
Eles que vivam suas vidas, gritava o meu ser desesperado, ensandecido.
E inerente a mim, no grito mais alto de minha alma, eu sentia que acabaria amargurado, senão revoltado em minha despedida, como tantos outros ficaram antes de mim, se não fizesse o que queria fazer.
E neste tempo que relatei, o amor aflorava em meu coração.
E aflorava com a força de um gigante, despedaçado pela força de anões.
E pelo rumo que as coisas tomavam, no conflito de todos os interesses pessoais e mundanos do meu meio, eu já estava a ponto de desistir de meus sonhos, eu iria perder a batalha.
E diziam-me que sonhar é coisa de loucos, que amar a muitos não fazia sentido, é fugir da realidade, como se nada mais existisse além da matemática lógica e fria que vemos.
E diziam isto logo para mim, que apesar de ser um matemático, sempre fui um sonhador, que sempre persegui o pote de ouro por detrás do arco-íris; e, infelizmente, ainda sou assim.
Podem me dizer, com razão, que ainda não cresci, pois ainda o quero para mim, mas já começo a aceitar que jamais o encontrarei por aqui.
Mas de loucos pragmáticos, e inconformados socializados, que vivem suas realidades e parecem não sonhar, o mundo também está cheio.
Então, se nós, ambos os loucos estamos errados, acho que o caminho não deve ser por aí, temos que transcender de uma outra — hoje, começo a perceber qual seja.
E dentro de nós existe um louco que veio do além nos seguindo.
Um ser maravilhoso, um ser transcendente que veio para este mundo para se deliciar, desbravar e brincar.


                                                            Parte V

Se você aponta um dedo para alguém, por defesa, por antipatia ou por desespero, vários apontarão os seus dedos contra você e o acusarão.
Vivemos em matilhas, mas somos seres individualizados.
Se tentamos nos defender de suas críticas insanas e comportamentais, aí sim, a felicidade virá, pois irão nos apedrejar.
Então o certo a fazer é não acusar ninguém, nem se defender.
O certo a fazer é calar o nosso ego, aceitar, nos respeitar.
Com o tempo eles irão parar e a  paz voltará.
Com a quietude interior a alegria virá.
A agitação mundana deixará de ser a nossa inquietude e não mais nos afetará.
Deixei as portas abertas da loja e do meu coração e me enganei.
Jesus amou a todos, somos incapazes disso, com certeza.
Agora, respeitar a todos, isto sim, podemos fazer.
Ser respeitado é um direito e um exemplo de amor conosco, e nestes tempos eu não estava disposto a aceitar nada mais do que isso para a minha vida.
E neste tempo que passei, para não brandir uma espada, não atingi os meus objetivos e nem a minha felicidade, pois a espécie humana não se adapta muito bem a estes agrados existenciais.
Então, naqueles momentos de tensão, quando os meus sentimentos explodiam ensandecidos com minhas mudanças psíquicas e tantas agressões do meio, com sinceridade, não guardo culpas quanto a isto.
Vim ao mundo para aprender e conhecer.
As pessoas que se magoaram com minhas atitudes, levaram para o pessoal, o que era impessoal.
Julgaram-me por suas soberbas, não me compreenderam, assim como eu, na minha busca ensandecida por outros valores espirituais, não os compreendia também.
E foi uma busca desesperada pelo meu ser, uma ânsia do meu coração.
Devíamos nascer sabendo, devíamos nascer velhos.
Perdemos muito tempo na busca da iluminação.
E esta aventura foi uma busca irrevogável e irreversível, uma viagem de encontro ao meu eu.
Foi uma luta por minha sanidade, não uma luta contra alguém.
Foi uma luta para me conhecer e respeitar, para livrar-me de minhas desesperanças.
E se aceitei a crucificação, não foi por uma dor atroz, nem por algum desmerecimento, mas sim como um meio de descobrir minhas origens, tão confusas e incompreendidas por mim.
E se em minhas experiências de vida descobri que me crucificaram por suas vaidades e preconceitos, sem a mínima humildade para me entenderem, já não me importo mais.
Decerto, pensavam alguns, que eram muitos — ninguém é melhor do que eu — e diziam isso subentendido em seus argumentos e, objetivamente, em suas acusações.
E eles que se diziam pessoas de bem, de caráter, exemplares, e que respiravam o mesmo ar que eu respirava de Deus.
Agora, as pessoas que me magoaram, infelizmente, acredito, perderam-se muito mais do que eu, porque perderam em vida, amizade e valor.
Quando fragilizado apareciam os moralistas, que não eram poucos, eles nunca eram os certos.
E os conselhos, todos têm os seus na ponta da língua para dar, não é mesmo?
Nunca dei aval para se aproveitarem de minhas fraquezas e de meu amor.
Aproveitaram-se porque quiseram, por soberba, para testarem suas forças por vaidades, por oportunismo, por acharem-me um fraco, mas foram mais fracos do que eu.
Aproveitaram-se por suas índoles e por seus desejos, não por minha culpa, eis a verdade.
O que deteria um animal selvagem quando se dispõe a atacar sua presa?
A ganância! O que deteria um ganancioso? O que deteria a ambição? O que teríamos que lhes dar para o satisfazer?
Teríamos que lhes dar o que querem, diriam alguns.
Mas digo, com certeza, depois que lhes dessemos o que querem, teríamos que lhes dar mais.
A luta pela sobrevivência tornou-se desleal, jogava um contra o outro, e incentivada por uma sociedade consumista e competitiva, criou monstros.
Quando estamos com alguém, ou quando dizemos que amamos alguém, nos tiram o sangue, querem nos humilhar, querem provas de nosso amor.
Com o tempo cada um mostra o que tem dentro de si.
O que viam em mim estava dentro deles, não me responsabilizo por isso, culpo-me apenas por incrédulo e inconsistente, deixar acontecer.
Os demônios que pintavam em mim, não eram os meus belos demônios tentadores e nem tinham as minhas cores.
E os anjinhos, que algumas pessoas benevolentes acreditavam ver em mim, também não eram os meus anjinhos, pois estes, ainda pairavam nos céus para me esclarecer.


                                                             Parte VI

"Sou o que sou", diz Saint Germain.
E é esta a verdade que venho perseguindo há muito tempo e que vem sendo um dos maiores desafios de minha vida, e dos quais ainda não consegui me afirmar.
Às vezes, admirava-me com a eloquência e o subterfúgio de alguns, habituados na defesa de seus interesses, de justificar o que lhes convém.
Mentes malignas.
Orgulho e vaidades é o que saíam de suas bocas, apenas para se vangloriarem de suas verbosidades e menosprezarem os outros.
No meu meio o diálogo prazeroso quase deixou de existir, tornou-se uma coisa ancestral.
O monólogo auto suficiente prevaleceu e virou uma praga atroz, bem como o diálogo, conflitante, perdeu suas razões de existir.
Críticas preconceituosas e o fanatismo — geradas pelo absurdo da ignorância e da inadequação — não eram problemas meus; aí, o colégio e a filosofia teriam o seu valor.
Muitas pessoas falam de coisas das quais nunca se deram ao trabalho de conhecer.
Falam com sabedoria de assuntos dos quais nunca estudaram, e criticam coisas pelas quais nunca se interessaram em compreender.
Julgam as pessoas pela aparência ou por que ouviram falar.
Usam suas mentes para justificarem suas afirmações e maquinações diabólicas, ou somente por suas crenças cegas, e acham que isto basta, não respeitam os sentimentos dos outros, julgam a tudo e a todos como iguais.
O mundo evolui rapidamente em quase todas as áreas técnicas e científicas, mas a mente humana, sem questionamentos sérios e filosóficos, parecem-me um prolongamento de seus demônios interiores, não evoluem, são viciadas.
Espero que vocês estejam felizes onde estiverem seus advogados do diabo, psicólogos, psiquiatras e médicos incompetentes..., e que troquem os seus caminhos por outros de paz e de luz.
E que defendam seus protegidos com integridade e com amor; e que aprendam mais e se iluminem mais para ajudar os necessitados de seus conhecimentos, caso contrário, afastem-se de suas profissões.
Sempre considerei-me um liberal, não um libertino, caros inquisidores.
E se, desde jovem, quiseram me encaminhar para o inferno, agora adulto e mais otimista, ainda acho que o céu é o meu destino.
E se alguns fanáticos religiosos me encaminharam para a morte com doenças inexistentes, ainda estou vivo.
E tive sorte, pois tenho os meus vícios.
Só não consigo entender como eles, com suas vidas regradas e proteções exclusivas, morrem também.
Infelizmente, como o tempo passa inexorável, os jovens chegaram a idade adulta.
Talvez, pela compreensão de meus sentimentos e por minha busca incessante e sincera de outros valores espirituais, é que minha amizade com os jovens bruxos tenha durado o tempo que durou.
Deixo aqui minhas histórias, que não são todas e que não são muitas, apenas como uma pequena lembrança de uma época que jamais esquecerei, e como uma homenagem a todos os que dela participaram.
E aos meus amigos sinceros, deixo aqui a minha sincera amizade e eterna gratidão.

                                                             
 Celso Roberto Orsini


Obs:                    
                                                                                                                                                             Peço desculpas aos meus leitores e um pouco de compreensão pelas constantes correções gramaticais e por minha falta de clareza em alguns tópicos deste blog.
Por ser minha primeira experiência como escritor, ainda sinto uma grande dificuldade em lidar com meu idioma.
Então, à medida em que me ilumino e me disponibilizo, vou fazendo as correções e procurando dar maior clareza as histórias que publiquei e que vou publicando.
E, com o tempo, tudo vai dar certo e tudo vai ficar bem.
Obrigado.

O DESPERTAR





Quando o despertar chegou, certamente eu não sabia o que esperar, nem o que minha alma ansiava.
E eu ansiava por tantas coisas e, como todos, desejava ser feliz.
Mas, o que eu poderia esperar, se nestes tempos vazios eu caminhava perdido e sem fé, sem progredir, sem compreender.
O que poderia esperar do mundo, de minha vida, se eu não conhecia o meu Deus nem o que amava o meu coração.
E, ainda hoje, quando sinto-me triste e perdido, quando tudo parece desabar novamente sobre mim, recordo-me daquela invulgar sensação daquela noite de verão, daqueles poucos minutos de alucinação.
E dentre todos os momentos marcantes de minha vida, este foi, com certeza, o meu limiar interior, insano e indescritível como o foi, que conduziu-me por caminhos diferentes de todos aqueles que imaginei.
E das visões espirituais que eclodiram com o tempo, a que mais me espantou e emocionou, foi a grata surpresa e o supremo mistério de encontrar-me errante por aqui.

Celso Orsini



Tudo começou numa noite linda de verão, numa época crítica de minha vida.
Passava da meia-noite, não recordo o dia, sei apenas que era perto do Natal.
Nesta época de desesperanças eu não tinha mais com o que sonhar.
A vida tornara-se um fardo, uma rotina monótona, uma imposição de valores e preconceitos morais, acumulado de responsabilidades familiares e poucos lazeres pessoais.
Uma armadilha.
Envolvido em laços femininos perfumados e autoritários eu me sentia perdendo o valor.
Nestes tempos idos, aos 48 anos de idade, uma grande tristeza e terminal desilusão invadiram o meu coração.
Meu casamento, destruído por brigas constantes, falta de dinheiro e ciúmes exacerbados de minha cônjuge, ocasionados por conceitos arraigados e definições radicais contra a minha espécie, acabaram com minhas expectativas de felicidade e a realidade tornou-se fria.
Com tantas críticas femininas ao comportamento masculino, eu já não sabia mais como proceder.
Nascido num ambiente familiar de mulheres fortes e pouco flexíveis, eu sentia muito a falta de meu pai, que perdi aos 19 anos de idade.
E sempre soube que nos amou.
Mas agora eu chorava a sua falta e o vazio que me deixou e, tardiamente, com premência, eu necessitava de seus carinhos e conselhos, como homem e como pai, e a saudade vinha me acariciar.
Na verdade, em meus desalentos e desencantos, eu precisava de um dia só para mim.
Um dia em que pudesse resgatar minha identidade masculina que se perdia entre as Rainhas de Espadas.
Um dia que me respeitassem pelo que sou, por minha natureza, meus instintos e minhas opiniões.
Quando jovem, em minha fragilidade, sempre vi as mulheres como seres especiais, protetoras e maternais, e bem mais confiáveis sentimentalmente que os homens, e sempre as considerei como iguais.
Mas hoje, com minha idade e experiências de vida, muita coisa mudou.
Hoje percebo que não somos tão iguais assim.
Na verdade, somos bem diferentes.
Mas eis a beleza, a dualidade tentando se completar.
Para quem não sabe, Crowley, numa de suas cartas de tarô, através das pinturas de Frieda Harris, retratou sua Rainha de Espadas segurando em sua mão esquerda a cabeça decepada de um homem.
Com sua mão direita ela empunha uma espada abaixada em sinal de saciedade; e, ao alto, acima de sua cabeça, vemos o rosto de uma criança.
A Rainha de Espadas está sentada num trono entre as nuvens.
Certamente esta Rainha é uma psicopata assassina, pois além de cortar a cabeça do homem, ainda faz a criancinha presenciar a cena com candura celestial.
E nem vou filosofar sobre isso, que me dá arrepios.
Outros conceitos que me induzem esta Rainha poderosa, por não ser este o objetivo deste capítulo, não os comentarei por aqui.
Deixo, a seguir, algumas indicações de seu poder subentendidos em meu contexto, para a compreensão de pessoas bastante sensíveis ao meu divagar.
Mas, voltando ao assunto.
Após algumas desavenças corriqueiras, mas agora fatais, saí de casa para caminhar.
Era uma noite agradável de verão, próximo ao natal, e a rua estava deserta, tranquila, silenciosa.
Nesta noite de verão quase tudo estava perdido e o mundo nascia sem sentido e girava ao contrário do que sempre idealizei.
Nestes tempos eu andava muito deprimido.
Sempre fui um sonhador, um escapista do mundo "real", mas agora, suicida, estes sonhos antigos já não me acompanhavam mais.
Estórias de realizações que desejei e os sonhos infantis e juvenis que alegraram-me a alma e o coração e trouxeram-me a força para lutar, agora, definitivamente, perdiam-se por uma estrada escura e sem fim.
Mas Deus tem os seus desígnios e não me deixou cair.
De repente, a surpresa.
Quando atravessei a rua, na calçada oposta à esquina do meu prédio, no meio da quadra do outro lado da rua, um estalido estranho em minha cabeça.
Entrei em pânico, achei que fosse morrer.
Naquele instante o ritmo mudou, inacreditavelmente o tempo desacelerou.
Algo acontecia que me surpreendia e preocupava.
Meus sentidos alertavam-se assustados, observadores de um suspense total.
Impotente ante minhas inauditas reações, minha mente silenciou.
Um suspense.
Vi-me a andar em câmera lenta.
Junto a este fenômeno atemporal, o som de uma música romântica entrou em meu coração.
À princípio ela surgiu baixinho, depois aumentou o seu tom.
Sem entender o que estava acontecendo, olhei para trás.
Foi quando vi um carro aproximar-se vagarosamente, num tempo que escorria lentamente e, acredito, que através de seus potentes alto-falantes, a música tocava alta e em bom som.
E se fosse alguma música celestial, algum anjo a enviara para mim.
Desconfiei que fosse a voz de um cantor conhecido no Brasil e que a música se repetiria pela mídia. Mas hoje, depois de tanto tempo de expectativas, entendo que me enganei, pois nunca mais a ouvi tocar.
No mesmo instante, uma paz reconfortante surgiu.
No silêncio da noite, em passos vagarosos, a música invadiu minha alma:
— Você é o meus lábios de mel. — dizia-me ela.
E o refrão me repetia:
— Você é o meus lábios de mel... o meu amor... a pessoa que eu queria encontrar...
O carro aproximou-se lentamente, acompanhou-me por alguns segundos e, a seguir, demorou-se na esquina e partiu.
Partiu levando consigo a música que tocou o meu coração.
E tudo acontecia lentamente.
Querendo continuar a ouvir a música, forcei os meus passos, que não respondiam ao sinal.
E ao longe, o carro, num acentuado colorido de luzes, partiu lentamente.
E neste instante senti-me abandonado, entristecido, quase em desespero.
E no tempo que despertei, não sei precisar o tempo real.
E em vez de chorar, meu coração abriu-se como nunca se abrira antes.
Abriu-se para os cuidados e os sentimentos daquela criança ainda desconhecida que vivia dentro de mim.
Abriu-se para a compreensão de seu amor e de nossa união imortal, e o medo inicial cedeu lugar a euforia.
Extasiei-me.
— Você é os meus lábios de mel — dizia-me a criança. Você é a pessoa que eu queria encontrar...os meus lábios de mel... o meu amor...
A partir daí eu compreendi.
Sensivelmente o meu mundo começava a mudar para sempre.
Incrível a simplicidade destas palavras e a força com que me tocou.
Alguém me amava.
Alguém que estava dentro de mim me amava como nunca alguém me amou.
E esta criança dizia-me simplesmente que eu era os seus lábios de mel, a pessoa que ela queria encontrar.
E prosseguia num acalanto:
— Você é o meu amor Celso... eu te amo...
Então compreendi que o que sempre procurei lá fora, sempre esteve dentro de mim, chamando por mim, cuidando de mim.
E os sentimentos desta criança eram intensos e verdadeiros, admiráveis como jamais algum o foi.
Um amor excepcional.
Uma paixão imortal.
E finalmente compreendi que tudo o que eu vivi, eu vivi por ela.
Que tudo o que eu passei em minha vida aconteceu por sua vontade.
E que todos os caminhos que trilhei, nos desafios supremos de minha vida, na ilógica aparente de meu destino, nas tristezas e nas alegrias, ela sempre esteve ao meu lado.
E tínhamos vivido uma grande aventura juntos.
Tínhamos sofrido, brincado, amado, sido felizes.
Combinamos viver assim... até morrer.
Por sua espontaneidade sincera, deduzi que meu destino já estava traçado antes mesmo de eu nascer.
Ela dizia-me que viemos para brincar, nos divertir.
Que viemos para aproveitar nossa viagem até o fim, sem mágoas e rancor, que tudo já estava previsto.
Que viemos para correr os riscos desta louca aventura que é viver, aprender e não desistir.
Dizia-me como se tivesse uma grande sabedoria, uma sabedoria de tempos imemoriais:
— Não perca tempo! Vamos continuar... Vamos brincar.
E esta criança certamente não era somente deste tempo.
Sempre considerei-me um medroso, mas ela não me demostrava que o fosse.
Mas ela era uma criança "inconsequente", uma criança imortal.
E, também, se alguma coisa saísse errado, quem sofreria as dores seria eu, pensei.
E, num insight, percebi que levaríamos nossas lembranças por toda uma eternidade, num vínculo de amor indescritível, inseparáveis.
Eternamente juntos.
E esta criança irascível e sapeca, que nem se apresentou, sentada numa pedra enorme para o seu tamanho, batendo palmas, agitava-se feliz:
— Vamos, Celso! Não desista... está dando tudo certo até aqui... nós chegamos... vamos continuar... vamos brincar... Você é os meus lábios de mel... meu amor... Lembra?...
E este amor reconfortante, advindo de um êxtase espiritual, eu não o teria como explicar.
A seguir, em flashes, mostrou-me alguns momentos do passado.
E insistia:
— Viu só, Celso... era só uma brincadeira...não era nada a sério... nós estávamos só brincando... lembra?...
E recordando-me as pessoas que amei e que partiram deste mundo, ela pedia-me simplesmente para não desistir, que tudo foi um brincadeira.
— Elas já sabiam que iam morrer... tudo já estava programado... elas já sabiam o que ia acontecer... nós vencemos... vamos continuar... vamos brincar.
E no mesmo instante em que mostrou-me uma das cenas mais críticas e traumatizantes de minha vida, eu compreendi.
— Viu só Celso... aquilo foi perigoso... Que loucura!... Eu fiquei preocupado... torci por você. Mas nós vencemos... nós conseguimos...
E nesta cena fatal, que aconteceu num passado distante, ela olhava-me de algum ponto acima da cena, tensa, com suas mãozinhas apertadas uma nas outras, em expectativa.
E ela estava certa, nós já sabíamos o que ia acontecer.
Já sabíamos do risco desta viagem.
Nós todos  já sabíamos o que iria acontecer.
Instantaneamente o transe mudou.
Olhei para o vento e as árvores ao derredor e interagi com eles.
Vivíamos no mesmo mar, mergulhados no mesmo oceano.
E a distância, uma bonita e imensa árvore copada transmitia seus influxos para mim.
Então compreendi que esta árvore frondosa, intensamente bela e vulnerável, estava ali para nos proteger e alegrar, e que precisava de nossos cuidados e carinhos para sobreviver.
Amorosamente levantei minha mão esquerda e, estupefato, afaguei suas folhas
Em volta um ar denso, magnético, agitava-se; senti-me mergulhado em águas cristalinas.
Quando extasiado eu movia minhas mãos, as ondas geradas seguiam o seu curso e tocavam ao longe.
Após estes eventos o tempo voltou ao normal.
Dei a volta ao quarteirão e voltei para casa calado e feliz.
Reencontrara o meu "EU", mais antigo do que eu, que amava-me incondicional.
O "universo" mostrava-se a sua maneira, em novas dimensões, e o reencontro com o meu ser acalentava o meu coração.
Após isto, se seguiu uma semana de intensa alegria.
Dons surgiram e minha sensibilidade aumentou.
Eu captava os sentimentos dos outros apenas com o olhar, na empatia eu compreendia melhor suas aflições.
Uma semana de intensa euforia, amor e compaixão.
O tarô viria depois.
Num sábado, à tarde, resolvi entrar numa empobrecida igreja do bairro para agradecer os dons recebidos.
Estranhamente, na hora em que o padre oficializava a comunhão, algo nele chamou-me a atenção.
Minha intuição aflorava novamente.
Sua tristeza me incomodava e, para desviar-me de sua cruel realidade, saí antes do ofício terminar.
Ele precisava de ajuda.
Os eventos narrados acima nunca mais se repetiram.

O CANTINHO



             * Os temores que conhecemos
                São os de não conhecer. O cair da noite virá trazer-nos
                Alguma ordem medonha — Abra uma loja de ferragens
                Numa pequena cidade... Ensina ciência a vida inteira a
                Meninas progressistas — ? Está ficando tarde.
                Seremos chamados algum dia? Somos simplesmente
                Não desejados para nada?
   
                                        W. H. Auden — A idade da Ansiedade
           

No ano de 1.984, após uma desastrosa aventura comercial em Blumenau/SC, meu irmão e eu, desgostosos, retornamos a Porto Alegre.
Aportamos falidos, sem quaisquer condições financeiras para reabrir um outro negócio.
Atordoados com o fracasso de nossa empreitada em terras distantes, ainda desanimados, ficamos a deriva.
Nestes tempos de tristezas e incertezas, nossa mãe, para nos socorrer e auxiliar, veio nos incentivar a prosseguir.
Com seu apoio financeiro otimista e complacente, depois de algum tempo de desesperanças, a fé retornou, e, corajosos, decidimos reabrir um novo negócio na capital e trabalhar no que sabíamos fazer.
E tudo começou assim.
Abrimos uma pequena loja de consertos de aparelhos eletrônicos no bairro onde eu moro.
À princípio tudo bem.
Com laminados de madeira dividimos a loja pequena.
Na frente recebíamos os clientes e na parte de trás fazíamos os nossos concertos.
Passados dois anos improdutivos e cansativos, como o dinheiro ainda era pouco, decidimos incrementar os negócios.
Fixamos um expositor na parede esquerda da loja e começamos a montar a nossa ferragem.
Nos ganchos pendurávamos produtos encartelados, basicamente materiais elétricos e utilidades, tais como buchas e parafusos.
Como ninguém é louco ou bobo para perder o pouco que tem, sem quaisquer conhecimento do ramo, nos aventuramos aos poucos.
Logo a seguir, compramos um novo balcão de vidro para expor as mercadorias e fomos nos especializando.
Apesar das perdas por gerências inaptas, este novo conceito começou a dar certo.
Aos fundos, conjugado ao banheiro, há um pequeno espaço, com 2 m e 13 cm de largura por 74 cm de profundidade.
Com o crescimento dos negócios, neste pequeno espaço vazio, construímos um pavimento de madeira.
Acima do teto, feito de madeira bem forte, alicerçado por seis grossas vigas, colocávamos o estoque de mercadorias e, abaixo, para clarear o ambiente, uma lâmpada no centro da construção e uma outra na viga externa do meio.
Seguindo nossas metas, com o crescente das vendas, encerramos os cansativos e paupérrimos concertos eletrônicos e partimos para solidificar o nosso negócio.
Anos depois, com o sucesso explosivo de locações de filmes em fitas VHS, arriscamos.
Com os dólares economizados no tempo, compramos o ponto da sorveteria ao lado e abrimos a nossa vídeo locadora no local.
Por sorte, e por divagações econômicas, acertamos em nossa escolha.
Compramos as nossas primeiras fitas de vídeo um dia antes do congelamento de preços e da poupança no Brasil, (Plano Brasil Novo ou Plano Collor), promulgado pelo então presidente eleito Fernando Collor de Mello, em 16 de março de 1990.
Lembro-me que, no sábado, um dia anterior a posse do eleito, comentei com meu irmão que acreditava que "eles", depois de tantos planos econômicos que ocorreram ao londo do tempo, sem outras alternativas, iriam modificar o nosso dinheiro, e que ele perderia totalmente o seu valor.
Meu irmão, preocupado com o nosso futuro financeiro, concordou com minhas especulações.
Na verdade, afora a coragem para acelerar o processo, não tínhamos nada a perder.
E acertamos em nossas divagações filosóficas e fomos mais espertos do que eles, até onde deu, é claro, pois ninguém é mais esperto do que eles, ainda mais num plano em que, segundo a mídia e a oposição, matou milhares de velhinhos do coração e deixou desamparados outros tantos aposentados que tinham suas poupanças pelo Brasil.
A desgraceira, a choradeira e a pressão dos bancos, e o jogo político foi geral.
Mas, nós, tivemos sorte.
No mesmo dia, à tardinha, após uma rápida confabulação com meu irmão, corri para uma loja do shopping center do bairro para comprar as nossas primeiras fitas de vídeo.
E paguei com cheque.
Se adivinhamos a artimanha do poder, imaginem os experts, os economistas e os amigos do status quo.
Quanto não devem ter ganho com estes planos econômicos.
Não é a toa que muitos ficaram ricos neste país.
Os novos ricos que ninguém sabe de onde vêm.
Nós nos ferramos com as mudanças econômicas, mas ferramos a loja que nos vendeu as fitas de vídeo também, pois segunda-feira, como havíamos previsto, o dinheiro havia perdido totalmente o valor.
Segunda feira, num desespero falimentar, uma funcionária da loja nos ligou tentando negociar a troca de nosso cheque por dinheiro novo, mas teve que desistir.
Que tristeza infiel.
Não tínhamos este dinheiro novo.
Ninguém tinha este dinheiro novo.
Na troca da moeda, ficamos com a merreca.
A perda foi para todos, não havia o que negociar.
E o que foi a bancarrota para alguns, foi a sorte e a felicidade para uns.
A vida no Brasil sempre foi assim.
Foram tantos planos econômicos que vivenciamos pelo tempo, que viramos apostadores do imponderável.
E meu irmão e eu nunca fomos jogadores, mas num mundo de espertos temos que nos avivar.
E este plano econômico, graças a Deus, nós conseguimos prevê-lo antes de chegar, sorte a nossa.
E nesta época de revoluções tecnológicas e sociais eu sequer era um vidente e nem conhecia o tarô.
A voz do povo é a voz de Deus, diz um velho ditado popular.
E nós elegemos o Presidente.
Mas Deus devia andar cochilando por estes tempos, porque, até hoje, ninguém sabe bem o que aconteceu.
E, Deus, segundo alguns otimistas, sempre esteve ao lado dos pobres e oprimidos, nunca ao lado dos ricos ou dos que detém o poder.
Mas alguma coisa saiu errado.
Não fomos tão espertos assim quanto pensávamos, pois do outro lado nos roubaram também.
Mas já desconfiávamos disso.
Sorte demais, até o santo desconfia.
Com o plano Collor, os juros praticados no Brasil iniciavam-se espoliativos e ilegais, e as dívidas amontoavam-se impagáveis.
Quase nos ferramos.
Começamos a dever a alma para os bancos.
Putz!
E Deus não teve nada a ver com isto, graças a Deus.
Na parede lateral contígua às lojas, fizemos duas aberturas para comunicação.
A primeira, próximo a entrada, com 54 cm de largura por 90 cm de altura e a segunda, aos fundos, com 52 cm de largura e mesma altura.
Com o passar do tempo, com mais de 2000 fitas de vídeo em acervo, invadimos os espaços vazios do cantinho e colocamos prateleiras de madeira em toda a sua extensão, reorganizando as fitas que já não cabiam mais nas prateleiras da vídeo locadora.
No lado esquerdo do cantinho, em duas prateleiras maiores, colocamos um rústico fogão de duas bocas, uma cafeteira e alguns utensílios.
Na parte de baixo, um forno de microondas.
E tudo foi sendo feito aos poucos, pois pobre é assim, vai fazendo tudo aos poucos.
E, nesta época, Morgana, que morava quase em frente as lojas, passava os dias conosco.
Desocupada, sempre vinha nos visitar.
Não sei em que tempo destas mudanças Morgana sinalizou-me o destino e apresentou-me o tarô.
Sei apenas que, empolgado com minha nova paixão, decidi criar um lugar especial para eu estudar e jogar o tarô.
Nesta época, um "amigo" nosso, que morava em frente as lojas e que prestava serviços de consertos para os clientes da ferragem, se prontificou a ajudar.
Divagando sobre minhas pretensões de vidente, disponibilizou-se a fazer uma mesinha baixa para minhas consultorias.
Não sei o porquê minha ex-esposa comprou uma cadeira preguiçosa para eu jogar, talvez para nivelar-me com a mesa.
Demorei a adaptar-me com a posição, pois a mesinha era muito baixa e a cadeira preguiçosa entortava minha coluna.
Mas, após algum tempo de insistentes dores nas costas, acabei me acostumando com as adversidades e gostei do clima exotérico.
Em continuidade, com a revolução tecnológica, tivemos que substituir as fitas de vídeo por DVDs.
O mundo transformava-se rapidamente.
Com a venda de fitas ultrapassadas as prateleiras começavam a se esvaziar.
Reaproveitando os espaços vazios, amadoristicamente, comecei a colocar alguns adereços que comprava ou recebia de amigos ou familiares.
Nestes momentos, imperceptível, o destino tramava sua teia.
Morgana vendeu-me a espada mágica, que tenho até hoje.
E nas minhas visitas às lojas esotéricas em que trabalhava, eu comprava a esmo, ou por indicação, quaisquer enfeites para embelezar o meu pequeno espaço místico.
E, depois, num encantamento, comecei a comprar o que me atraía.
Ao longo do tempo, nas prateleiras vazias do cantinho, coloquei várias estatuetas de bruxas e alguns poucos magos que encontrei pelo mercado.
Lucius presenteou-me com um dos seus.
A espada mágica continua fixada até hoje na viga do meio, encostada a parede.
As espadas menores foram distribuídas ao acaso.
Tenho a cruz ansata, vários pentagramas e outros símbolos, bem como porta velas, porta incensos, e por aí afora.
E, com o tempo, ganhei muitos presentes.
Futuramente, as madeiras cruas do cantinho foram pintadas de verde.
E ele foi separado do resto da loja por uma cortina vermelha que minha ex-esposa fizera para mim e que, compassivamente, meus jovens amigos ajudaram-me a redecorar.
E é neste lugar que guardo os meus livros esotéricos, os oráculos e minhas anotações.
E é este lugar que presenciou a minha trajetória ensandecida e o meu êxtase espiritual, que dividiu o meu mundo entre o antes e o depois.
Que acompanhou a destruição de minhas torres, solidamente estabelecidas, desde aquela noite predestinada de Dezembro, e observou em detalhes o rio flamejante por onde passou a minha desesperança.
E é por ele que nutro um grande carinho, uma lembrança imortal, uma dedicação especial e uma saudade precoce de um tempo que se desvanecerá.
E era onde costumávamos nos reunir.

               *  The fears we know
                   Are not of knowing. Will nightfall bring us
                   Some awful order — Keep a hardware store
                   In a small town... Teach science for life to
                   Progressive girls — ? It is getting late.
                   Shall we ever be asked for? Are we simply
                   Not wanted at all.

                              W. H. Auden,  "The Age fo Anxiety."
       

INTRODUÇÃO


" Se eu tivesse mais coragem e sabedoria, olharia para as flores destes jardins e deixaria que me encantassem mais.
Passaria feliz por estas fragrâncias alucinatórias, deleitando-me com suas belezas perfeitas, vivendo e superando meus medos e imperfeições, amando, pois nada teria a temer."

Celso Orsini.


Naquela tarde ociosa de um dia qualquer, quando Morgana sentou-se num banquinho atrás do balcão da vídeo locadora, apresentou-me o tarô e disse:
— Celso, eu vou ler as cartas para ti!
Mal sabia eu que minha vida estava prestes a mudar radicalmente.
E se naquela tarde ociosa e vazia meus antigos sonhos findaram, é por que eles teriam que findar.
E se estes novos conceitos clarearam o horizonte de minhas aflições e limitações e abalaram os alicerces de meu ego desgastado e ineficaz, não foi proposital.
E se as mudanças, com meu criticismo, atingiram emocionalmente os meus antigos relacionamentos, era porque eles, de alguma forma, já não morriam, porque eu não os deixava morrer, somente por isto.
À partir daquela tarde, num encantamento, um simples jogo de cartas alterou-me o astral e conduziu-me a uma procura incansável e apaixonante por outros valores espirituais.
E foi por esta sofreguidão que sofri e suportei o que vivi, senão teria que reconhecer que enlouqueci.
Só Deus poderá julgar-me os atos.
Só Ele poderá julgar-me as alegrias, as tristezas e a dor, às vezes quase que insuportáveis de se manter, mas que esforçava-me ao máximo para não deixar transparecer.
A iluminação ocasionou-me a renovação dos atos e, consequentemente, a quebra desencadeada de antigos padrões de comportamento e desgastados valores morais.
As mudanças atingiam-me imprevistas e surgiram tão opressivas e radicais que, muitas vezes, procuro-me entre os destroços.
Se, com o tarô descobri a Cabala, com ela, velejei por mares distantes.
Viajei por mundos distantes e fascinantes, desvelando progressivamente os seus mistérios.
Foram tempos de êxtase e de euforia, de estudos diários e estupefatos.
Imaginem eu, um pragmático que sou, envolvido com conhecimentos que sempre considerei impalpáveis por serem divinos.
Inevitavelmente, meu passado teria que esboroar-se num nada de crendices e superstições.
Como gostaria de voltar ao passado e conversar com meu pai.
Dizer-lhe que tudo estava bem.
Dizer-lhe que as crenças por que tanto sofreu e temeu não foram tão reais assim quanto ele pensava.
Que ele poderia ter superado os seus medos e vencido.
Mas, infelizmente, lamentavelmente, já era tarde demais.
Tempos perdidos em vão.
Lamentavelmente, estórias de desconhecimentos do além jaziam sob os escombros da vida.
Agonias passadas em vão.
E eu, com esta tristeza insofismável e com esta saudade persistente e amorosa, seguia arrebatado por novos caminhos, desbravando o meu mundo novo e encantado, desconhecido dos demais.
Inevitavelmente, diante destas novas descobertas, a compreensão filosófica da doutrina cabalística alterou-me a visão da realidade e desamparou-me do mundo real.
Quando conheci a Cabala e compreendi o seu poder infinito, admirei-me.
E admirar-se assim é quase enlouquecer.
E aventurar-me pelo desconhecido como o fiz, sem preparação, é arriscar-me.
E arriscar-se foi a sina de um louco.
Mas havia uma razão inadiável e inquestionável.
E esta razão era eu.
E tamanho foi o impacto psicológico das forças recém descobertas que dissociei-me, e entrei numa luz de tamanha felicidade que não teria medo de olhar para Deus em sua plenitude.
E é incrível dizer isto, mas, nestas épocas de êxtases e de iluminação, eu não teria medo de olhar para Deus.
Mas o tempo não se preocupa com nossos desejos e regalias pessoais, ele segue adiante, matemático, imutável.
Ele não se preocupa com nossas viagens oníricas, nem com nossos conhecimentos.
E muito tempo depois, à alguns anos atrás, para me consolar, olhando para os meus livros amados jogados nas estantes da ferragem, encontrei um deles que melhor descreveu os processos que passei.
E sintonizando com suas palavras, meu ser inculto e sem fé, foi compreender.
O livro foi-me dado de presente por uma parente que desconhecia o seu significado.
Este livro jazia empoeirado na estante há décadas, esperando por um milagre, por um dia que eu desse conta de sua existência.
E quem sabe, neste dia ele ainda estivesse lá com suas explicações.
Este livro intitula-se a "Cabala", de Perle Epstein.
Um livro iluminado.
Um escrito de grande sabedoria e lucidez, que trouxe-me à tona algumas respostas dos episódios que passei.
A seguir, um texto extraído do capítulo "O jardim oculto".
Segundo Perle Epstein, estudar a Cabala assemelha-se a entrar num jardim esplêndido, porém perigoso.
Cada portão desse jardim conduz-nos mais fundo para visões alucinatórias, ciladas que ludibriam o viajante incauto em cada volta.
Segundo ele, os sábios judeus previnem a todos, exceto ao homem perfeitamente ético, que se afastem deste lugar
Alertam para o perigo que espera os desejosos de entrar neste jardim.
O peregrino bem sucedido, que integrou seus "eus" psicológicos, éticos e espirituais, continuará até atingir um espaço aberto.
E neste espaço cresce uma árvore frondosa, cujos ramos são compostos por dez esferas de cores diferentes, cada uma representando um "mundo" ascendente, um nível de percepção espiritual.
Ao encontrar essa "árvore da vida", o místico sabe que atingiu o ponto onde está realmente pronto para a escalada.
Os portões o conduziram ao pardes oculto, o jardim secreto, onde cresce a árvore sagrada, que marca sua ascensão a Deus.
Segundo Perle Epstein, os rabinos talmúdicos contam a história de quatro grandes sábios:
Ben Zoma, Ben Abuyah, Ben Azai e o rabino Akiva.
Segundo os relatos históricos, Ben Zoma enlouqueceu, e Ben Abuyah tornou-se um traidor apóstata.
Ben Azai morreu em sua plenitude e Akiva, aos noventa anos, tornou-se uma santo iluminado e um mártir.
Ben Azai "olhou e morreu", pois sua alma ansiava tanto pela sua fonte, que instantaneamente abandonou o corpo físico ao entrar na luz.
Ben Abuyah, cuja confusão mental não tinha sido suficientemente aclarada, olhou, e vendo não um Deus, mas dois, tornou-se instantaneamente um apóstata.
Ben Zoma olhou e enlouqueceu, pois não tinha reconciliado a vida comum com sua experiência visionária.
Apenas o rabino Akiva, o homem de equilíbrio perfeito, entrou e saiu em paz.
Espero que meus amigos gostem das histórias que publiquei.
Descrevo neste livro minhas experiências pessoais e deixo-as para a eternidade.
Liberto experiências incomuns que gravaram-se ao longo do tempo em que a iluminação chegou.
Entrego aos piedosos leitores as críticas e avaliações arbitrárias destes momentos únicos e mágicos que passei e que, com certeza, jamais retornarão.

O INÍCIO


Quando Deus se manifesta... muitas vezes ele vem sem alarde...simplesmente nos mostra o caminho e sussurra...
— Você quer isto para você?
E nossa mente pode até duvidar, questionar...mas o nosso coração enlouquece de amor.

Celso Orsini


Era uma tarde tranquila de um final de verão.
Minha esposa e eu estávamos na vídeo locadora sem ter o que fazer.
Morgana entrou empolgada, fazendo cara de mística.
Vinha empinada, trazendo novidades, com aquele seu jeito amoroso que tanto nos cativou.
Em suas mãos um livro e um maço de cartas.
Sentou atrás do balção e calmamente me explicou:
— Celso, eu vou ler as cartas pra ti!
Eu desconfiei de Morgana.
— Umm...não sei não Morgana! O que é isso?
— Isto é um tarô! Vou te ler o futuro. Está bem? Espero que goste!
Fiquei curioso:
— Tá bom! Pode ler!
Mas logo em seguida, pensando melhor, me precavi:
— E se aparecer alguma coisa ruim? O que eu faço?
— Se aparecer alguma coisa ruim eu não te falo, tá! Não precisa ter medo. — e sorriu amavelmente, como uma profissional.
E, sem rodeios, com ares de vidente, me acalmou num suspense.
Mas eu me assustei.
— Ah, não!...Espera aí Morgana! Assim não dá! Não sei não! — tasquei receoso.
Morgana olhou-me desprezando e, intrigada, avaliou-me.
Até quis se azedar, mas como viu que eu titubeava com sua oferta, sem saída, teve que negociar.
Morgana me conhecia muito bem.
Então, com meiguice, adoçou sua voz e insistiu:
— Ah, Celso!... Deixa de ser bobo! Deixa de ser medroso! Deixa eu testar as cartas contigo?... Deixa de ser bobo, guri!
Pronto, Morgana me convenceu.
— Tá bem, então! Mas olhe lá, hein! Olhe lá o que você vai me dizer?
— Está bem! Não te preocupa. — disse ela.
Pomposamente, colocou as cartas encima do banquinho que busquei para facilitar e começou a jogar concentrada.
Dava gosto de ver.
Morgana parecia realizada.
Eu fiquei de pé atemorizado.
Mas que surpresa!
Enquanto lia o meu destino, de vez em quando, ela pegava o livro do colo para consultar.
Lia-o de esguelha, não querendo que eu o bisbilhotasse.
A princípio, temi pelas suas adivinhações temerárias, mas aos poucos, no transcorrer da leituras, perdi o medo e me empolguei.
Fui pegando o gosto.
As cartas de tarô, até este dia, nunca tinham me chamado a atenção, e eram totalmente indiferentes para mim, sequer sabia que havia literatura a respeito.
Então, a partir daí, esperto, desconfiei das atitudes secretas de Morgana, e a curiosidade bateu forte.
No término das leituras, a seu contragosto, pedi que me mostrasse o livro.
Ela até que quis relutar, mas eu o tirei de suas mãos rapidamente, folheei algumas de suas páginas e memorizei o seu nome.
Interessante, em cada página, um breve resumo de cada carta e palavras-chaves para a sua interpretação; era só jogar e ler.
Minha mente, ávida por conhecimentos, interessou-se.
"E se houver alguma ciência nelas?" Pensei excitado.
Quando comentei o assunto com meu irmão, ele também se interessou.
Depois deste dia, numa atração irresistível, decidi comprar o tarô de Marselha e o seu livro.
Na verdade, no transcorrer do tempo, acabei comprando muitos outros tipos de tarô e outros livros também.
No início, o Tarô Mitológico foi o meu preferido.
Eu gostava de seus desenhos auto-explicativos, que achava bem mais fáceis de interpretar.
E a mitologia grego-romana era um conhecimento que eu trazia da adolescência.
Então, sempre quando ia escolher alguns livros, eu comprava a esmo os mais didáticos e baratos.
Isto durou algum tempo, pois cansei-me de suas repetições, sem nenhum conteúdo.
Então, decidi investir numa literatura mais pesada e comprei o livro "O Tarô Cabalístico", de Robert Wang.
Quando começamos a ler este livro, conhecemos a Cabala.
Meu irmão e eu, ainda leigos, explorando inocentemente os arquétipos do tarô, demoramos a perceber que o organograma ilustrado na capa e base de exposição dos estudos filosóficos sobre tarô, era um símbolo de meditação tão fascinante e intrigante como o foi.
Um desafio transcendental, sedutor e enebriante, como jamais havíamos visto ou imaginado.
Quando descobrimos o poder desta árvore, abrimos as portas para um mundo encantado e, extasiados, aventuramo-nos por seus caminhos.
Enquanto isso, Morgana, sem comentar os seus planos e sem saber dos meus avanços pela cabala, seguiu o seu destino.
Com o passar do tempo, tornou-se uma taróloga conhecida em seu meio, iniciando-se na bruxaria em alguns lugares por aí.
Costumava jogar em feiras esotéricas na capital e em cidades vizinhas.
Passou o resto de sua vida lendo cartas em lojas esotéricas e iniciando os seus discípulos na arte da magia e da bruxaria.
Teve admiradores e seguidores fiéis, era uma pessoa muito carismática.
Nossa amizade era antiga, e até o dia em que me apresentou o tarô, nunca havíamos comentado assuntos deste contexto.
Conversávamos superficialmente sobre espiritismo e religiões, principalmente as afro, as quais ela frequentava, nada mais.
Morgana nunca me contou como conheceu o Tarô, e eu, de tão empolgado que fiquei, acabei esquecendo de perguntar.
Com o tempo, fomos perdendo o contato diário.
E hoje, pelo que sei, e pelas vezes que a vi jogar nos lugares que a visitei, ela continuou com os arcanos maiores de Marselha, que eram o suficiente para ela.
Morgana foi um marco em minha vida, um elo decisivo nas mudanças de meu mundo.
Jamais a esquecerei.
Levou consigo, fases importantes de minha história.
E hoje, por todos os tempos, quando tento entender o que aconteceu, extrapolo, questionando-me acordado em meus devaneios, se acaso houve alguma intercessão divina de Mestres, Anjos ou Guardiões, ou seja lá o que for, nas mudanças de rumo de nossas vidas.
Um anjo escolheu-me para um julgamento divino?
Com certeza, um bendito raio celeste atingiu minhas torres para tirar-me da escuridão.
Do resto, não sei explicar por que aconteceu.

MEU CAMINHO


Nascemos para atingirmos o êxtase, a felicidade suprema, é nosso direito de nascença.
Mas as pessoas são tão tolas que nem mesmo exigem seus direitos de nascença.
Ficam mais preocupadas com aquilo que os outros possuem e começam a correr atrás dessas coisas.
Nunca olham para dentro, nunca procuram em suas próprias casas.
Uma pessoa inteligente irá começar sua busca a partir de seu ser interior.
Este será o ponto de partida de sua exploração, porque a menos que eu saiba o que está dentro de mim, como poderei sair procurando mundo afora?
O mundo é tão vasto.
E aqueles que olharam para dentro, encontraram imediatamente aquilo que buscavam.
Não é uma questão de progresso gradual, é um fenômeno súbito, uma iluminação repentina.

*Osho

                                                                 
                                                     Parte I

Alguns meses depois... e Morgana partiu.
Eu continuei meus estudos, o que faço até hoje.
Com os conhecimentos adquiridos no livro de Robert Wang, comprei o tarô de Crowley e o de Waite.
O tarô da Golden Dawn eu o comprei alguns anos depois e deixo-o guardado até hoje sem usar.
A cabala revelou-se aos poucos, através de Aleister Crowley.
Uma visão mágica de compreensão interior difícil de descrever.
Apaixonei-me pela Cabala e pelas cartas de Waite e de Crowley, assim que as vi, e passei a dedicar grande parte do meu tempo a desvendar seus mistérios.
Confirmei e assimilei grande parte de meus conhecimentos empiricamente.
Eu levava minhas cartas para onde quer que fosse, e sozinho, apaixonado e alucinado por elas, eu as jogava em qualquer lugar em que me encontrasse, e qualquer situação era um pretexto para tirar uma carta e testar os seus resultados.
Com isto, eu estava descobrindo, na prática, uma conexão real entre os mundos físico e espiritual.
As cartas tinham ciência, eram visíveis os seus prognósticos.
Eu não estava me iludindo.
E sem prever as consequências psíquicas deste autoconhecimento, eu seguia extasiado e sensível às mudanças de rumo em minha vida, mas insensível ao transtornos que isto causava em meu meio e as reações que a isto se seguiam.
O universo segue suas leis matemáticas perfeitas.
Calculamos o infinito daqui.
A magia não.
A magia tem outras definições, segue outras equações, e tem seus sinais.
E minha transformação espiritual acelerou.
Vivi nestas cartas a revolução de minha vida.
E nos desafios mundanos que eu enfrentava, eu me encantava.
Em cada porta que eu abria nesta árvore, um velho mundo desmoronava ao meu redor.
E Deus conversava comigo, estava ao meu lado e mostrava-me o Seu poder.
Eu o sentia mais próximo de mim.
[Princesa de Paus[2].jpg]Os segredos que chegavam-me às mãos eram indescritíveis, verdadeiros e alucinantes, como só eu sei, e levavam-me para além daquelas fronteiras que eu imaginava reais; e eram um poder.
E semelhante a princesa de paus desta carta de Crowley, eu seguia enlouquecido com esta chama ardente dentro de mim, numa pressão interior avassaladora e transmutadora, numa torrente de energia inesgotável, de um amor indescritível, diferente de tudo o que eu já havia sentido antes.
Quando eu jogava as cartas do tarô, eu sabia o que ia acontecer, e isto era uma sensação de euforia.
Por um processo misterioso, mesmo que mudando a linha original de meus pensamentos, no aprofundamento dos arquétipos, os resultados confirmavam as teorias, o que, interiormente, eu já sabia!
Eu costumava brincar e dizer que era um vidente que já sabia o que ia acontecer, depois que os fatos aconteciam.
Sem dúvida, argumento incompreensível para alguns e, muitas vezes, até para mim, mas que para minha "lógica fria e calculista", era bem plausível.
Mas os loucos têm lá suas razões.
E eu estava com as minhas.
Como um matemático da metafísica eu calculava as incógnitas de minhas inequações, e buscava zerar os seus resultados.
Meu irmão, meu único companheiro de estudos, acabou desistindo por medo; as respostas das cartas tornavam-se assustadoras para ele.
Certo dia, enfatizou:
— Celso, eu vou parar de estudar tarô! De que adianta saber o futuro? Se vai acontecer mesmo, pra que saber antes?
Desamparei-me com sua desistência, mas o compreendi, pois fundo do meu coração, pensei em parar também.
Mas aquela maldita curiosidade, aquela ânsia infinita de saber, me fizeram seguir e enfrentar os meus medos; e eu continuei, queria saber mais, muito mais...
Então, decidi seguir o caminho sozinho.
Se houve tempos que pensei enlouquecer, agora, compreendo melhor o que passei.
O impacto sobre minha consciência fora forte demais; e eu, despreparado, sem um mestre, não soube avaliar os possíveis danos psicológicos da transição.
Sem eu perceber, os conhecimentos alteravam-me drasticamente os conceitos, os valores e a realidade da vida.
Às vezes, meus prognósticos saiam tão exatos, que sensibilizavam-me a ponto de chorar.
E eu chorava sem parar.
Comparo esta sensibilidade à uma paixão.
Meu mundo coloriu-se de outros matizes e, obcecado, tornei-me um amante feliz.
E eu estava apaixonado e não estava acostumado a me apaixonar, não sabia como lidar com tantas emoções, e delirava no céu.
Se Deus dava-me a possibilidade de conhecer alguns de seus mistérios, dava-me também a oportunidade de compreender e sentir as diferenças do amor em seus arquétipos universais.
Achei-me um escolhido, um iluminado, um Avatar.
Todavia, hoje, apesar de ainda temer meus sentimentos em ebulição e o descontrole de minhas paixões, o caminho abrandou-se em sabedoria, e o amor me fez compreender.
E nunca amei e sofri tanto como nesta época, com estas paixões temperamentais que ardiam dentro de mim.
E amei a cada um, ao meu modo, de uma maneira diferente.
Nunca tive como os comparar.
E a partir deste tempo, um Deus imanente passou a ser uma presença real em meus pensamentos e sentimentos.
Então, compreendi que quando princípios novos surgem no horizonte, eles trazem consigo as mudanças que não esperamos.
No ar, trazem os aromas imperceptíveis que respiramos.
No sol, vem o calor que se insinua e excita nossos desejos e nos deixa felizes, ou transforma-nos em animais incontidos.
Muitas vezes, estes princípios nos conduzem à loucura de nossos atos ou à vergonha da submissão e da não realização.
Outras vezes, nos mostram o caminho do êxtase e da iluminação, e, com eles, a sabedoria da aceitação e da transcendência de nossas paixões.
E das águas que irrompem de nossos diques, jorram os sentimentos que irrigam nossas terras maravilhosas.
Muitas vezes, trazendo-nos a infelicidade das perdas ou a dor da rejeição e da incompreensão.
Outras vezes, banhando-nos com a gratidão e a felicidade de amar, simplesmente por amar, por compreender e aceitar.
E estes novos princípios, quando surgem nos céus, vêm para nos extasiar e afetar todos aqueles que vivem à nossa volta, neste pequenino mundo grandioso.

                                                      Parte II

Muitos anos depois...
Beto e eu fomos tocar num bar de Osório, cidade perto do litoral gaúcho.
Seguíamos de carro pela freeway, quando avistamos os enormes cata-ventos de Osório.
Comentei por comentar:
— Acho que as pessoas estão se conscientizando de que esse tipo de energia não agride a natureza.
Mas Beto, totalmente às avessas, retrucou:
— Aí é que você se engana, Celso! Nada é gratuito. As hélices movem-se com a energia do vento e isso pode alterar todo o clima do mundo. O ar encontra resistência nas hélices e isso pode ocasionar ciclones e furacões noutro lugar. A natureza é perfeita, tudo está interligado. O que fizermos com ela hoje, amanhã teremos consequências, só não sabemos ainda quais...
Retrucou-me com a teoria do caos, em que o simples bater de asas de uma borboleta poderia influenciar o curso natural dos ventos e alterar o clima em outras partes do mundo.
E o que era para ser um simples comentário, complicou-se em divagações.
Depois disso, seguimos viagem calados, pensativos.
E eu, em minhas tempestades emocionais, pensava em minha família, nos jovens do grupo e obsessivamente em Inocência; e ele, não sei em quê.
Sem um dom e um mestre, desbravar o espiritual como o fiz, é correr o risco de enlouquecer.
O dom, talvez eu até tivesse, pois descobri sozinho alguns de seus segredos, mas o mestre me faltou.
E as mudanças que vivi nesta época foram tão radicais, que afetei o "status quo" e acabei numa aventura quase que trágica e solitária.
Meus amigos, que sempre estiveram comigo, ajudaram-me a minorar a solidão espiritual que passei e a minha transição psíquica, mas a marcha era outra e todos tinham os seus interesses.
E eles, ainda jovens, sem maturidade para me compreender, não tinham muito como me ajudar.
E eu, em minha jornada alucinatória, seguia com Deus e o amor explodia em meu coração.
Mas, se meus conhecimentos inadequaram-me ao meio, por outro lado, trouxeram-me a indescritível felicidade de saber e sentir.
E se ver e sentir isolou-me de quase todos que eu amava, incompatibilizando-me com suas verdades, acarretou-me, sem eu esperar, infelizmente, a tristeza da discórdia e da incompreensão.
E com a discórdia e a incompreensão, preparou-se um terreno fértil para a intolerância crescer e fatalmente surgiram as agressões.
No meu meio, infelizmente, as coisas começavam a acontecer sem eu esperar.
Com os amigos infiltraram-se os inimigos, os não tão amigos assim, os aproveitadores e a soberba.
Opiniões divergentes beiravam ao absurdo de suas exposições ridículas e ao fanatismo.
E as pessoas que eu amava desconfiavam de mim,  me tratavam com um desamor que eu não compreendia, me traiam com suas falsidades e interpretavam errado meus sentimentos, difamavam-me.
Atacavam minha conduta pessoal em prol de suas razões e preconceitos.
Querendo impor seus modelos de vida, não me deixavam descansar por um minuto sequer.
Julgavam-me.
E pensando bem, nunca os julguei e os ataquei em suas razões, sempre os respeitei e me defendi.
Se lutamos por nossos ideais ou por nossa fé em um Deus amoroso, e mesmo assim sentimos uma fera rugir em nosso interior, nossas crenças se contradizem.
E o amor, quando conduz à fé, ela vem do sentir, e não depende de nossas razões para crer e existir.
Ela simplesmente é o que é.
E o amor que conduz à fé, se impõe mais alto que a voz destes leões fervorosos, porque ele é manso e puro como um cordeiro.
E a beleza sempre esteve ao nosso redor, um presente de Deus para quem souber olhar para este mundo magnífico e apreciar.
E a beleza, sem a tentar definir, é sobremaneira divina e universal, e poucos a conseguem ver e sentir, porque poucos a conseguem compreender.
E esta beleza jamais poderia ser comparada a uma besta.
Às vezes cheguei a temer agressões físicas, tamanha a fúria religiosa instalada em meu meio.
Lembro-me que da última vez em que fui agredido verbalmente com violência, eu estava com minha mãe comemorando o seu dia.
Nós ficamos nervosos, mas ela resolveu conciliar para não se incomodar, talvez com sensatez, não sei avaliar.
E eu calei-me por respeito a ela, e também por ele, o agressor, ser um jovem bem mais forte do que eu, senão, não me calaria.
E afinal de contas, ele também era um parente, apesar de ser um parente emprestado.
Mas os parentes, às vezes, são como serpentes.
E antes de sair da casa de minha mãe, aquele Celso explosivo não resistiu, e tasquei-lhe um pouco de meu veneno.
Minha família achava que eu estava passando por uma crise existencial ou uma crise da meia idade, a crise dos cinquenta anos, como me disse uma psicóloga.
No fundo, todos tinham razão.
Mas havia alguma coisa a mais, uma razão a mais.
Havia um elo invisível, um enigma existencial, um conhecimento intrínseco e sutil, responsável por todas as mudanças de minha vida, que eu não sabia como explicar para alguém.
Havia uma visão ampliada que surgia, que jamais supunha existir.
Uma visão que explodia as paredes e os alicerces de meu mundo, que transformava o meu ser.
Havia um segredo em minha alma que eu não conseguia compartilhar.
Nascia um arco-íris encantado, que aparecia-me num céu verdadeiro e mostrava-me as visões do além, que sempre imaginei serem irreais.
Havia uma magia divina que eu adivinhava sem compreender.
Acenda uma vela sempre no mesmo lugar e veja o que acontecerá.
Há um mundo a nossa frente que o excesso de luz não nos deixa ver.
Há uma escuridão que nos faz perceber o infinito.
Feche os olhos.
Aprecie a luz iluminando o desconhecido e prepare-se para a viagem.
Do meu lado direito, meu anjo da guarda sorria feliz com minhas descobertas.
Mas do meu lado esquerdo, trazendo-me a dor da incompreensão e as trevas infinitas de uma maldade sem fim, um anjo negro, zombeteiro, roçava suas asas sobre mim.
Sei que a luz deste sol me cegou, que levou-me por caminhos que minha mente não se posicionou para ver.
Caminhos que não pude evitar, pois não vislumbrei um outro querer.
Caminhos que se apresentaram sem via de escape, guiando-me os passos, destinando-se por toda uma vida, por todo o meu ser.
E para não enlouquecer, equilibrei-me entre o fogo de meus anseios e as águas bravias de meus sentimentos e suportei a ebulição de minha alma até resfriar.
E agarrei-me à temperança e esperei; e este foi o único caminho que encontrei, para suportar as dores, as desesperanças, e as euforias que passei.
E espero que, de todo o meu coração, Morgana, você esteja feliz, aonde estiver.

ALEX


Os sonhos vivem no inconsciente.
Se recebo de lá suas verdades, no campo de suas emanações, analiso-as por aqui.
E quase sempre as mensagens não me vêm claras; chegam difusas, confusas, atordoantes.
Se pesquiso filosoficamente, tenho que admitir que viajo num outro mundo e recebo de lá as visões e os sinais de uma outra dimensão.
E muitos loucos sequer acreditam nestes sinais.
Desnorteados, não acreditam nos sinais do seu amigo eu, que implora, suplica por sua atenção.
E nenhum louco poderia se acreditar tão louco para se dissociar assim.

Celso Orsini
                                       

                                                  Parte I


Conheci Alex um pouco antes das profecias de Hugo.
E, nesta época, eu sequer imaginava que os sinais andavam pelo meu mundo.
E nestes dias passados, a ansiedade e a curiosidade eram grandes.
Meu irmão e eu seguíamos eufóricos tentando elucidar os enigmas do tarô e da cabala.
O raiar de um novo tempo chegava.
Digo isto por mim, por mais ninguém.
E este jovem foi um dos que vieram para me ensinar a humildade, me fazer distinguir da arrogância sem sentido a verdadeira misericórdia.
Veio para dizer que eu não era melhor que ninguém, que minha altivez me afastaria de Deus.
Ensinou-me a grandeza de um pensamento sem concorrência, sem preconceitos e sem limites, alçando voos pela eternidade.
Sinalizava, com o seu desprezo, a minha crucificação, e o quanto eu iria amar e sofrer.
Mostrou-me com sua ganância e desconfiança insensível, a simplicidade que eu iria viver sem aparentar.
Alex era um terapeuta e deveria ter seus 27 anos de idade.
Cabelos pretos e curtos, aproximadamente 1,80 m de altura, compleição forte, bem acima do peso, era uma pessoa simpática e carismática.
Conheci Alex numa de minhas visitas a Morgana.
Nesta época ela iniciava sua trajetória mística à convite de Joana, proprietária de uma loja de artigos esotéricos.
Ali ela jogava suas cartas e conquistava uma clientela razoável.
Eu costumava visitá-la regularmente.
Com esperança de conhecer pessoas do meio cabalista, eu me aproximava de seus contatos.
Nunca gostei de ler as cartas profissionalmente, apesar da insistência de alguns, porém gostava de testar meus conhecimentos.
Meu ego andava inflado com tantas descobertas e informações.
Então, numa destas minhas visitas à Morgana ela me apresentou para Alex.
Alex era um dos profissionais da casa e namorado de Joana.
Por falta de espaço próprio, ele fazia seus atendimentos no local.
Sempre duvidei de seus sentimentos por Joana, pois sempre o achei mais preocupado com seus interesses profissionais do que com sua amante, mas acredito que ela sinceramente gostava dele.
Depois de nosso primeiro encontro, com a propaganda que Morgana fez de mim, ele se interessou e quis me conhecer melhor.
Ficamos amigos.
Querendo saber mais sobre meus conhecimentos, começou a procurar-me na loja.
Nós simpatizamos com ele.
Alex nos impressionava com seus poderes.
Tinha o dom de ver a aura e, consoante nos disse, diagnosticar e tratar problemas emocionais e de saúde.
Mas hoje, enquanto escrevo minhas memórias, algumas dúvidas ficaram.
Nesta época eu me iniciava no ocultismo e, praticamente um leigo, não soube avaliar os seus interesses.
Sei que trabalhava com limpeza de aura e realinhamento de chacras, como comprovamos em suas demonstrações.
Lidava com espíritos, elementais e animais de poder, talvez adepto do xamanismo.
Sem conhecimentos de quaisquer destes assunto, eu não tinha muito o que perguntar.
E eu, sempre um desligado, com grandes dificuldades de atenção, não conseguia ser um bom ouvinte.
Eu o achava um pouco esquisito.
À princípio, em algumas visitas que nos fez, avaliou os nossos conhecimentos, depois desconversou e parou de trocar idéias.
O ser humano sempre um eterno competidor, como se passar alguns de seus conhecimentos fossem acirrar a competição, e a falta de alguns deles os fossem desmerecer.
E Alex era uma pessoa vaidosa e orgulhosa.
Para não expor suas fraquezas, caiu na esperteza mundana, inferindo sem valor.
Certo dia procurou-me na loja para me consultar.
Mal chegou, afobado, buscou o tarô de Waite no "cantinho" e, numa rápida jogada em frente ao balcão da ferragem, tirou um arcano menor.
Querendo montar seu próprio negócio, perguntou se os seus ideais se concretizariam.

Lembro que saiu um Ás de Ouros.
Carta bem positiva para a sua questão.
Confirmei que seus ideais poderiam se realizar.
Então, na sequência, otimista com minhas previsões, ele monta sua própria loja na garagem de seus pais.
A convite, comecei a visitá-lo regularmente.
A loja era espaçosa e bem organizada, e não lembrava em nada a antiga garagem.
Na entrada um alto portão de ferro, quase sempre fechado, ladeado com grades de ferro que cercavam o pequeno jardim.
Indo pela lateral esquerda, um estreito caminho lajeado levava à porta de entrada da loja, rente ao muro divisório das casas.
Na fachada direita, a baixa altura, uma média janela basculante redonda de vidros coloridos.
E no jardim, ao centro, um pequeno circulo de pedras.
Apesar da pouca largura do terreno, a profundidade do espaço interior era suficiente para receber seus clientes.
Internamente, colocada de frente para a janela redonda, a pouca distância, uma escrivaninha para receber seus clientes.
Na parede esquerda, duas estantes de metal, com livros novos e usados que comercializava, de vários assuntos esotéricos.
E ao centro, rente a parede direita, uma estreita escadaria de madeira levava ao andar superior.
Aos fundos, separado com divisórias, um espaço médio, reservado para suas sessões terapêuticas.

                                                   Parte II

Enganei-me na avaliação de Alex, porquanto o considerei uma pessoa sincera, de valor, um amigo.
Ingênuo, eu gostava de ir até a sua loja comentar algumas previsões e filosofar.
Ali, entretinha-me pesquisando em seu pequeno acervo de livros.
Através de suas indicações, encontrei alguns exemplares raros e interessantes.
Alex convidava-me insistentemente para uma sessão terapêutica.
Querendo mostrar os seus procedimentos, interessava-se por minhas opiniões.
Eu adiava o convite, um pouco por vergonha, outro, por não querer abusar de sua boa vontade.
Mas um dia ele tanto insistiu que, constrangido, aceitei o convite e marcamos um horário para sábado à tarde.
Sem saber com que linha trabalhava e que procedimentos usaria, deitei-me na maca de barriga para cima, um pouco tenso.
No início da sessão, a pequenos intervalos, ele me pedia para manter os olhos fechados e relaxar, liberando a mente de todas as preocupações.
Enquanto isso, num crescente, mantras suaves e guturais impregnavam o ambiente, ao mesmo tempo em que algumas pedras eram colocadas em meu corpo.
Rapidamente, coisa que eu não acreditava ser possível, devido ao meu autocontrole, fui induzido a um profundo estado de meditação.
Recordo-me que antes de perder a consciência, envolvi-me numa intensa luz branca.
De dentro desta luz ofuscante ouvi o chamado de minha avó paterna.
Ela e meu pai, falecidos há muitos anos, vieram me visitar.
Senti, mais do que vi, minha avó cumprimentar-me feliz:
— Oi, meu filho...
Vieram saudosos e felizes com o reencontro.
Quando estendi minhas mãos para abraçá-la, entrei na luz e apaguei.
Para minha surpresa, acordei com Alex eufórico, sorridente.
Comentou-me da visão e da intensa luz branca que se aproximou de mim e de meus entes queridos que vieram me visitar.
— Como você sabe disso, Alex?
— Eu os vi Celso! Vi quando chegaram!... Você sabe quem eram eles?
— Sim! Eram meu pai e minha avó. Mas como você os viu? Achei que tivesse sonhado.
— Não, eles estiveram aqui! Vi quando se aproximaram. Vieram te visitar! — falou emocionado.
— Mas por que eu não os vi?
— Você não os viu por que eles vieram de um plano espiritual muito elevado; e, na verdade, não foram eles que vieram até aqui, foi você que foi até eles! Seu corpo astral elevou-se a quase meio metro de altura.
E radiante, sinalizou-me com as mãos a altura de meu deslocamento astral.
Comentei:
— Eu ouvi o chamado de minha avó e apaguei, Alex! Foi tudo muito rápido!
E ele, sorridente, corrigiu-me diante de meu olhar estupefato:
— Não foi tão rápido assim, Celso! Você ficou desacordado por quase uma hora!
Depois disso, voltei para a loja com uma sensação de bem estar, feliz com o reencontro.


                                                  Parte III

No outro sábado à tarde, faceiro, fui visitá-lo.
Para agradá-lo, aproveitaria a oportunidade para comprar alguns livros que me interessavam.
Com isto esperava estar retribuindo de alguma forma a sua amizade.
Estacionei meu carro em frente a sua loja.
Como o portão estava fechado, dei um tempo e fiquei no carro.
Acendi um cigarro e fiquei meditando sobre as cartas de tarô que jogara antes de sair da loja, sem pressa.
E esclareço a todos os viciados em inferir razões que justifiquem nossas visões, que este era apenas um cigarro comum, de fabricação nacional, daqueles que só tem nicotina, alcatrão e milhares de substâncias tóxicas nocivas ao organismo.
Enquanto meditava, ou melhor, relaxava, eu olhava para a entrada da loja curtindo a vida e estava em paz.
Mas havia alguma coisa estranha acontecendo por lá.
Algumas loucuras aconteciam por aqui.
Antes mesmo que eu percebesse, minha consciência alterava-se sutilmente.
Quando cheguei no portão e toquei a campainha, um mundo encantado surgiu.
No pequeno jardim a minha frente, um delírio.
A grama verde e o pequeno círculo de pedras, um pouco a direita, ganharam vida.
Surtei, senti que seres da natureza habitavam ali.
Extasiado, eu olhava atentamente para o jardim, procurando encontrar os seres que por ali se escondiam, quando Alex apareceu.
Ele abriu o portão intrigado.
Ficamos nos olhando por alguns segundos.
Com o nível de consciência alterado, ora eu olhava para ele, ora para o jardim, antes dele perguntar:
— Você os viu?
— Vi! — e fixei-me no círculo de pedras, alucinado.
— O que você viu?
— As pedras!... Estão diferentes!
— As pedras sempre foram assim, Celso! Agora é que você as está vendo como realmente são!... O que mais você viu? — insistiu, olhando-me surpreso e desconfiado.
— Os gnomos... Onde estão? — perguntei descartando minha razão, febrilmente atento a sua reação.
— Eles estão por aí... Você não os viu? — Alex forçou-me o olhar e depois olhou para o jardim.
A seguir, sem piscar os seus olhos e sem os desviar um milímetro sequer dos meus, perscrutou-me com um sorriso malicioso.
— Não, não os vi!
— Então é por que eles não quiseram se mostrar para ti. — respondeu-me mordaz.


                                                   Parte IV

Alex sempre teve esse olhar fixo e penetrante, um olhar de bruxo.
Parecíamos dois loucos falando loucuras, se testando.
Acredito que atordoou-se com minha visão, pois sem intenção convidou-me para entrar, para logo em seguida arrepender-se.
Assim que adiantei meus passos em direção a porta, me surpreendi com a visão.
Pela porta aberta espargia uma luz branca que se lançava um pouco afora, como se fosse fumaça de gelo saindo de um imenso corredor luminoso.
"Mas esta loja não tem corredor de entrada?!" Pensei.
E de dentro vinham risadas femininas estridentes.
Aproximei-me para espiar.
Aos fundos da loja, num ambiente enuviado, dois vultos femininos dançavam uma música sem som.
Uma de frente para a outra, gingavam os seus corpos e agitavam os seus braços sem saírem do lugar.
Mal conseguia distingui-las na neblina, e a sensação era de que a loja aumentara em profundidade.
Enquanto eu acostumava minha visão ao ambiente, as duas viraram seus rostos ao mesmo tempo para me olhar.
Olhavam-me e gargalhavam sem pararem com seus movimentos rápidos e desconexos.
Dançavam ao ritmo do mundo.
"Será que elas estão se divertindo às minhas custas?" Pensei.
Neste ponto, Alex acordou de seu marasmo e barrou-me o caminho.
Sorridente, olhou para elas e depois para mim, e disse:
— São bruxas, Celso!
Consecutivamente à sua intromissão, a minha curiosidade aumentou.
As duas bruxas, a um sinal de Alex pararam de dançar e se posicionaram lado a lado, de frente para nós.
Sem moverem-se, olhavam-me com languidez, silenciosas.
Agora eu as via claramente.
Constatei que aparentavam ter mais de trinta anos de idade e que tinham a beleza de suas naturezas reais e o deleite de nossos sonhos irreais.
A seguir, incoerentemente, voltaram as suas antigas posições e ficaram frente a frente, olhando-se.
Com gestos ensaiados, numa coreografia surreal, retornaram a dançar a música sem som, com movimentos acelerados e desconexos, e suas risadas aumentavam em escárnio.
Agora, sério, Alex foi imperativo:
— Desculpa Celso, mas não vou poder te atender, tenho muito trabalho a fazer.
Ao despedir-me, a última visão que tive ao espiar, foi a das jovens bruxas dançando frente a frente, e olhando-me de lado no meio da fumaça.
Bem que gostaria de ter ficado por ali.
Sem saber o que dizer, despedi-me de Alex com um aperto de mão.
Hoje sei por que o olhar de uma delas me perseguiu por tanto tempo.
— Pode deixar o portão encostado Celso, que depois eu fecho. — recomendou-me Alex, enquanto fechava às pressas a porta de entrada da loja.
Sem explicações e sem motivos aparentes, depois deste dia, Alex mudou radicalmente o seu comportamento e começou a tratar-me com frieza.

                                                    Parte final

Na semana seguinte fui visitá-lo.
Queria saber sua opinião a respeito de algumas cartas de tarô que jogara, e debater alguns aspectos filosóficos da cabala.
Mas Alex não foi o mesmo, recebeu-me formalmente e tratou-me com frieza, como se eu fosse um cliente.
Desculpando-se com coisas para fazer, pediu-me para aguardar.
E disse-me:
— Fica olhando os livros enquanto me espera Celso. Fica a vontade, já vou te atender.
Com falta de gentileza, não me disse o tempo que demoraria, e tirou-me a opção de ir embora.
Acabei recebendo um "chá de banco".
Sentindo-me desconfortável e incomodado com a espera, fui ocupar o meu tempo folheando alguns livros da estante.
Muito tempo depois, quando Alex finalmente se liberou de seus afazeres eu já não estava mais me sentindo a vontade.
— E aí Celso? O que te traz aqui? — perguntou-me polidamente, sem perder sua altivez.
Tentando não deixar transparecer meu desgosto, respondi amistosamente:
— Vim para discutir algumas coisas contigo, Alex.
Pronto! Aí começou a bronca!
Estranhamente, sem eu esperar, Alex retrucou rispidamente:
— Como assim? Eu não estou aqui para discutir com ninguém! Estou aqui para orientar! Se você venho para brigar, é melhor ir embora!
Estranhei sua reação.
Perplexo com sua resposta, não soube como agir.
Desconfortável, tive que lhe explicar:
— Discutir, que eu quis dizer Alex, é debater, trocar ideias, não brigar...
Neste ponto (mais um outro grande defeito meu), ao invés de ir embora, contemporizei.
— Você me entendeu mal Alex! Não foi isto o que quis dizer. — falei desiludido.
Vendo que eu não reagia à sua colocação, num semblante de dúvida, parece que desconfiou de seus conceitos e se apaziguou.
Aquela antiga recepção calorosa já não existia mais.
— Tudo bem, então! Pode ter sido um mal-entendido. — e encaminhou-se em direção a uma das prateleiras de livros.
Deu uma olhadela rápida e pegou um deles para mim.
— Eu separei este livro para ti Celso. Espero que goste.
Quando peguei o livro, desconsertei-me:
"Que cara de pau."
— Mas este livro é para iniciantes Alex?!! — exclamei surpreso.
— Eu sei Celso! É por isto mesmo que eu o separei para ti. Acho que você vai gostar. — e pegou o livro de minhas mãos.
Enquanto folheava as páginas do livro que achava interessantes ele falava:
— Aqui tem todos os fundamentos da cabala. Tem explicações sobre as sephiroth, os caminhos, a relação com o corpo humano. Tem tudo aí, tudo bem didático.
E quando me mostrou a página do corpo humano relacionado as sephiroth ele se admirou.
Talvez interessantes para ele, pensei.
— Espero que você goste! — insistiu.
— Obrigado Alex, mas esta parte da cabala eu já conheço. Mas, obrigado pela atenção. Eu tenho que ir agora, já está no meu horário. — e ansioso para sair dali, despedi-me como fui recebido, friamente.
Quando cheguei na loja comentei o assunto com meu irmão, que também se decepcionou.
Quanto a palavra discutir, ainda aceitaria razoável a sua compreensão limitada do termo.
Mas quanto a tentar vender-me um livro para iniciantes de cabala como orientação para meus estudos, realmente foi um deboche.
Depois desta estupidez, que não se justificariam por ignorância, pois éramos amigos, nunca mais o visitei, e felizmente perdemos o contato.